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Alfredo César

Summary:

O amor pode começar de mil jeitos... inclusive brigando pelo nome de um sapo.

Notes:

(See the end of the work for notes.)

Chapter 1: Samuel

Chapter Text

Era manhã de segunda-feira, e os pássaros cantavam do lado de fora do Bairro Vivo. O alarme personalizado tocou, e logo um barulho surdo ecoou pelo quarto: algo (ou alguém) havia caído no chão. Um cenário típico entre latas de energético vazias e várias plantinhas, que tentavam sobreviver naquele ambiente caótico.

Samuel, jogado de forma dramática no chão, vestia um pijama ridículo de tubarão. Ainda com os olhos meio fechados, levantou-se e desligou o alarme do celular, cogitando seriamente faltar à escola. Mas era isso que dava passar a madrugada toda animando gacha life.

Minutos depois, já de banho tomado, o cabelo — com as pontas pintadas de azul — continuava bagunçado, como sempre. O pescoço e os pulsos estavam cheios de colares e pulseiras de miçangas coloridas. O uniforme sem graça da escola estava amassado, com aquela calça azul folgada que parecia gritar por socorro. Os tênis? No mesmo estado.

Ao passar pelo espelho do quarto, Samuel piscou para si mesmo, mordeu o lábio inferior como quem estivesse prestes a estrelar um videoclipe, e deu uma risadinha. Saiu pulando do quarto feito um grilo possuído.

Desceu as escadas de madeira dando pulos, e chegou à cozinha… também pulando.

Heitor, seu pai, estava sentado à mesa de mármore branco. Os olhos cor de mel estavam fixos nas notícias do celular enquanto ele tomava café numa xícara decorada com algum meme sobre acordar cedo. Samuel sorriu — um sorriso encapetado, diga-se de passagem — e se sentou no colo do pai, que apenas suspirou. Já estava acostumado com as esquisitices do filho.

— Bom dia, pai! — Samuel disse com a maior naturalidade do mundo, como se ter dezesseis anos e se jogar no colo do pai fosse perfeitamente normal.

— Bom dia, Samuel. — Heitor respondeu com o cansaço típico de segunda-feira, mas não conseguiu conter um sorriso. Samuel era o próprio caos de pijama. — Vai comer antes que esfrie.

— Cadê a Sarah? — perguntou, agora sentado na cadeira ao lado, enquanto se servia de suco de laranja.

— Saiu cedo pra faculdade. Tinha uma coisa importante pra resolver hoje.

— Ou... talvez ela só não quisesse ver a cara do irmão dela — Samuel comentou, mordendo um pão com certa teatralidade.

— Samuel, não fala assim...

— Ah, por favor, pai. Você sabe que ela não me suporta.

— Claro que não suporta, você é irmão dela. — Heitor tentou fazer graça, mas a tensão ali era real.

— Você entendeu, pai…

Heitor suspirou, tomando mais um gole de café. Ele entendia, claro que entendia. Mas admitir que a filha não gostava do irmão porque o culpava pela morte da mãe… isso era mais complicado.

Samuel apenas deu de ombros e passou mais geleia no pão. Se fosse deixar de comer toda vez que tivesse um clima ruim com a irmã, já teria virado um espírito fitness.

Pouco tempo depois, Samuel atravessava a rua de paralelepípedos do bairro, passando pelo lago. E lá estava ele: Alfredo, o sapo. Um sapo caolho, inclusive. Todo dia, Samuel dava “bom dia” a ele.

— Bom dia, Alfredo. — cumprimentou, como se realmente esperasse uma resposta.

Alfredo, como sempre, não respondeu. Mas Samuel sorriu do mesmo jeito e seguiu seu caminho até a escola, pensando nos esboços dos seus desenhos, nas provas e nos professores chatos.

Os corredores da escola eram sempre o mesmo caos: adolescentes, risadas, desodorante barato, esbarrões e fofocas. E, no meio disso tudo, Samuel passava. Fingia não notar as risadinhas disfarçadas das garotas que passavam reboco na cara só pra chamá-lo de esquisito.

Ele era o garoto que ninguém falava, mas de quem todos falavam. E, sinceramente? Azar o deles.

Um aluno do segundo ano esbarrou de propósito em seu ombro. Samuel só ajeitou a mochila — lotada de bottons — e seguiu para a sala. Sentou no fundão, ao lado da janela, soltando um suspiro comprido. Mais um dia de aulas, broncas, e algum professor careca de óculos e sapatênis.

Chapter 2: Kauan

Summary:

O amor pode começar de mil jeitos... inclusive brigando pelo nome de um sapo.

Notes:

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Kauan não acordou com o alarme naquele dia, mas sim com as pestes das irmãs brigando sobre quem era a melhor princesa de um desenho aleatório que elas madrugavam pra assistir. Ele se enrolou dramaticamente no cobertor, parecendo um casulo humano. Com a cara enfiada no travesseiro, soltou um gemido longo de exaustão que ecoou pelo quarto organizado demais — só com alguns pôsteres de bandas que ele gostava quebrando a monotonia.

Cinco minutos depois, ao ouvir a mãe subindo as escadas e vindo em direção ao quarto, Kauan se levantou num pulo e correu até o banheiro. Os cabelos ondulados estavam todos bagunçados, e um rastro de baba seca atravessava sua bochecha esquerda. A mãe entrou no quarto sem bater — o que ela só fazia quando ia reclamar de alguma coisa.

— Hmmm... — ela soltou, estreitando os olhos enquanto encarava os olhos heterocromáticos do filho, que agora a encarava de volta como se tivesse sido flagrado escondendo um segredo de Estado. — Eu ia reclamar que você ainda estava na cama, mas já que tirou a bunda daí antes de eu chamar... vai se livrar de levar suas irmãs pra escola delas. Desce e vai tomar café. Fiz bolo de laranja.

O bicolor apenas assentiu, obedecendo ao ser supremo que chamava de mãe, e recebeu um beijo dela antes que saísse do quarto e fechasse a porta.

Kauan soltou o ar que estava prendendo e entrou no banheiro. Depois de quase morrer com a água gelada demais, travar uma batalha com a calça jeans e derrubar o abajur, ele desceu para a cozinha. A mochila preta — e sem graça — pendia de um dos ombros. Sentou-se à mesa, onde o pai tomava café e a mãe cortava um pedaço de bolo pra ele.

— Bom dia — Kauan saudou, ajeitando a barra do uniforme.

— Bom dia, filhão — Augusto, seu pai, respondeu com um sorriso largo.

— Bom dia. Dormiu bem? Ou sonhou com aquela garota do Canadá de novo? — Camila, sua mãe, perguntou com um sorrisinho sacana.

Kauan apenas tombou a cabeça pra trás, murcho. Por que a mãe gostava tanto de lembrar o maior trauma da sua vida?

Sim. Há uns três anos, quando ainda morava no Canadá, Kauan foi perseguido por uma garota da escola. Foi horrível. Ela chegou a furar a mão de uma menina que só o ajudou em um projeto. Ele se sentiu dentro de Yandere Simulator.

As gêmeas voltaram a brigar na sala, e Camila se levantou para separar as duas, amarrando os cabelos cacheados de novo. O pai riu, e Kauan também. Um riso cansado, mas sincero.

Minutos depois, ele já seguia seu caminho para a escola nova, onde estudava há apenas uma semana. Passando pelo lago do bairro, viu um cururu gorducho em cima de uma pedra. Kauan olhou pros dois lados da rua. Ninguém.

— Bom dia, César. Vamos sobreviver a mais um dia — disse ao sapo, como se fossem aliados secretos numa missão suicida. E seguiu.

A escola era barulhenta como qualquer escola normal. Kauan caminhava pelos corredores em direção à sala do segundo ano B. Queria chegar logo, sentar e evitar qualquer chance de bullying.

Sim, ele. Com carinha de galã de filme teen e aquele jeitinho todo padrãozinho, preocupado com bullying. Vai entender a cabeça desse menino.

No caminho, viu um aluno da sua sala esbarrar propositalmente em um garoto do primeiro ano. O menino não reagiu, só ajeitou a mochila — cheia de bottons — e seguiu em frente. Kauan não o conhecia, mas já tinha notado: cabelo sempre bagunçado, pontas coloridas, pulsos e pescoço cheios de miçangas, tênis surrados. Alguém que claramente não ligava pro que pensavam.

Kauan engoliu em seco e acelerou o passo até a sala. As aulas passaram rápido: dois alunos brigaram no recreio, uma garota sorriu pra ele — e ele surtou por dentro, lembrando da stalker do Canadá. Só queria voltar pra casa.

À noite, Kauan estava deitado de bruços na cama, rolando a tela do celular com expressão de puro tédio. Até que parou num vídeo de um garoto se assumindo para os pais. Assistiu em silêncio. Depois, fechou o aplicativo, desligou o celular e enfiou o rosto no travesseiro.

Ele também queria ter coragem. Coragem de se assumir, contar pros pais que não gostava de garotas. Queria ter a coragem daquele menino, que não tinha medo de ser quem era. Queria admitir que queria fazer teatro, não medicina. Queria admitir tantas coisas...

Mas o medo ainda era maior.

E com esses pensamentos, acabou pegando no sono — e teve um pesadelo bizarro no qual sua bombinha de asma ganhava vida, o forçava a comer amendoim e ele morria de alergia...

Chapter 3: Sorrisos bobos

Summary:

O amor pode começar de mil jeitos... inclusive brigando pelo nome de um sapo.

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Era terça-feira. Dia de corrida com o pai. Kauan terminava de amarrar os cadarços do tênis quando se levantou e foi até a varanda, onde Augusto já o esperava.

— Só trinta minutos hoje, filhão. No sábado a gente faz quarenta — disse o pai, sorrindo e dando um tapa amigável no ombro do bicolor, que retribuiu o sorriso.

Foi uma corrida leve, só um quarteirão. Já no caminho de volta, passaram pelo lago. O lago onde César costumava ficar. O sapo não estava mais em cima da pedra, mas era fácil reconhecer um sapo que não tinha um dos olhos.

Kauan engoliu em seco e olhou de relance para o pai.

“Se eu falar com o sapo, meu pai vai me achar estranho... Mas se eu não falar, o sapo vai ficar triste.”

Ele decidiu não falar com o anfíbio, mas pediu desculpas mentalmente ao bicho... umas cinco vezes.

Quase chegando em casa, o garoto olhou discretamente por cima do ombro, de onde César tinha ficado para trás — e viu ele. O garoto das miçangas e do cabelo pintado, carregando uma sacola de pão e... falando com César. Depois, seguiu seu caminho como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Kauan sorriu, meio bobo.

“Eu não sou o único que fala com sapos gorduchos, pelo visto.”

— Tudo bem, Kauan? — perguntou Augusto, abrindo o portão de metal para entrarem em casa.

— Tá sim! — Kauan respondeu rápido demais, secando o suor da testa com as costas da mão antes de entrar depressa.

Augusto balançou a cabeça, rindo, e entrou em casa logo atrás.

---

Na casa de Samuel...

Samuel estava em frente ao espelho, enchendo os pulsos de pulseiras coloridas. Heitor passava pelo corredor com um cesto de roupas sujas quando parou ao ouvir o filho murmurando alguma coisa.

— Filho? — chamou, parando na porta do quarto. — Tá falando sobre o quê?

— Eu vou fazer uma luminária com latinhas de alumínio e fita LED — respondeu Samuel, direto, passando pelo pai e descendo a escada... pulando degrau por degrau até chegar no sofá. Heitor o seguiu, resignado.

— E fazer essa luminária corre o risco de você incendiar o quarto? — perguntou, arqueando a sobrancelha enquanto largava o cesto no sofá.

— Confia. Vi o tutorial duas vezes. Não tem erro — garantiu o garoto, já colocando a mochila nas costas e indo até a porta.

Heitor deu tchau, rindo.

Como ele ainda não tinha enlouquecido cuidando dessa praga? Ninguém sabe.

Samuel atravessou o portão da casa, passando a mão pelos cabelos bagunçados — com as pontas tingidas de azul, como sempre.

Mais um dia tentando sobreviver ao inferno adolescente... Ou melhor dizendo, à escola.

Chapter 4: Alfredo ou César?

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O amor pode começar de mil jeitos... inclusive brigando pelo nome de um sapo.

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Ainda naquele dia, Kauan saiu de casa um pouco mais cedo. Augusto já estava saindo para o quartel, Sophia e Emilly choravam por não quererem ir pra escola, e Camila gritava com ele do andar de cima, perguntando se ele estava levando a bombinha de asma. Sim, ele estava. Quatro, por garantia.
Ele estava determinado a falar com o garoto das pulseiras. Por quê? Nem ele sabia - só achava que eles se dariam bem.

Kauan apressou o passo para chegar logo à escola. Passou pelo lago. César estava lá.

- Bom dia, César. Desculpa de novo. Me deseja sorte! - disse, apressado.

Na escola, desviou dos outros jovens e ignorou todo mundo. Entrou na própria sala, jogou a mochila na primeira carteira que viu e saiu direto em direção à sala do primeiro ano do ensino médio, onde já sabia que o garoto estudava. Porque é. Kauan observava tudo.
E lá estava ele.

No fundão da sala. Rabiscando algo no caderno, os pulsos e o pescoço cheios de miçangas coloridas e o cabelo bagunçado caindo sobre o rosto.

Kauan entrou com passos firmes, com o pensamento fixo: agora não tem mais volta. A sala estava barulhenta, com grupinhos espalhados pelos cantos, mas ninguém prestou atenção. Ninguém ligava.

Kauan parou ao lado da carteira do outro garoto.

Limpou a garganta, tentando chamar atenção.

O outro levantou o rosto.

Kauan gelou. "Qual era o nome dele mesmo?"

- O-oi... É... Seu nome é Samuel, né?

- É... - Samuel respondeu, encarando o bicolor. Ele parecia normal demais pra estar ali, falando com ele, sem intenção de zoar.

- Você... você fala com o sapo. Aquele sapo caolho que fica no lago. - Kauan continuou, tentando soar natural.

- É, ele é especial. - Samuel respondeu, mexendo em uma das pulseiras que tinha o nome "MAFALDA" em letrinhas coloridas.

- Eu também falo. - Kauan disse animado demais.

Silêncio.

O barulho da sala pareceu se abafar, só pra deixar tudo ainda mais constrangedor.

Kauan corou até a raiz dos cabelos, já arrependido de ter puxado assunto. E Samuel? Estava só tentando decidir para qual dos olhos heterocromáticos do bicolor devia olhar.

- Legal que você fala com o Alfredo. - disse, quebrando o silêncio com um pequeno sorriso.

Mas Kauan franziu a testa.

- Eu chamo ele de César.

Samuel fez uma expressão indignada.

- César? Ele claramente tem cara de Alfredo.

Pronto.

- Eu discordo. - Kauan retrucou, apoiando as mãos na carteira do outro. - César é um nome forte. Nome de imperador. César claramente combina mais que Alfredo.

- Bem, não interessa o que você pensa. Eu falo com o Alfredo há mais tempo que você. - Samuel inclinou o corpo para o lado, enfatizando o "Alfredo". - Afinal, Kauan, né? Você chegou aqui há pouco tempo. Portanto, o nome que eu dei deve prevalecer.

Pra Kauan, foi como levar um soco. A boca abriu e fechou várias vezes.

TRINN!

O primeiro sinal tocou.

Kauan girou nos calcanhares e saiu, resmungando algo.
Inacreditável que dois adolescentes estavam brigando pelo nome de um sapo caolho.

- Hm. César. Até parece. - Samuel murmurou quando Kauan passou pela porta da sala, e o professor entrou, iniciando a aula.

E Kauan? Bem, ficou irritado. Achando que Samuel era um grosso e que ele havia se enganado sobre quem ele era de verdade.

O céu já estava completamente claro quando o sinal da saída tocou...

E por ironia do destino - ou só provocação mesmo - eles se encontraram no caminho pra casa.

Kauan andava na frente, mas já tinha notado a presença do outro atrás dele. Era impossível não notar alguém como Samuel.

Samuel tentava parecer casual, mas era difícil quando andava com os olhos semicerrados, olhando fixamente pro mais alto, com um leve biquinho nos lábios.

- Sabe... - Samuel quebrou o silêncio. Kauan apertou o passo. Samuel o seguiu, emparelhando com ele na calçada. - Eu entendo. Nem todo mundo tem a habilidade de escolher nomes como eu.

- Você se acha demais, garoto. - Kauan murmurou, sem olhar para o lado.

- Eu não me acho, eu estou comprovando um fato. Porque, tipo, sério? César?

- É um ótimo nome!

- Alfredo é muito melhor!

- Argh! E eu achando que você podia ser legal!

- Eu posso ser legal. É só você admitir que Alfredo é melhor que César!

- Sem chance! - Kauan olhou pra ele, indignado, como se Samuel tivesse acabado de dizer a coisa mais absurda do mundo. - César sempre vai ser melhor! E se quer saber? Eu vou continuar chamando o sapo de César!

- Faça o que quiser. Só... coitado do Alfredo.

Eles pararam de andar, agora frente a frente.

- Bem, eu acho que ele se sente muito honrado em ser chamado de César! César significa imperador! Líder supremo!

- E Alfredo significa "aquele que recebe conselhos dos elfos"!

- Elfos não existem!

- Prove! - Samuel cruzou os braços e empinou o nariz como uma criança birrenta.

Silêncio. Só o som das árvores balançando com o vento fresco.

Foi só aí que caiu a ficha em Kauan do quão ridícula aquela conversa era. Ele sentiu o rosto esquentar de vergonha.

- Q-quer saber?! Ele vai se chamar Alfredo César agora! Pronto! - O mais alto também cruzou os braços, encarando Samuel, que descruzou os seus e pareceu considerar a ideia.

Ele se virou para frente, coçou a nuca, testando o novo nome para o sapo, murmurando baixinho:

- Alfredo César...

Se virou de volta para Kauan e sorriu - um sorriso torto, com dentes tortos, de um jeito adorável.

- Eu gostei! Certo, agora ele se chamará Alfredo César a partir de agora. - Ele ajeitou a mochila nas costas e começou a andar como se nada tivesse acontecido. - Tchau! Essa foi a melhor e mais ridícula discussão que eu já tive na vida!

Kauan ficou ali parado. Passou as mãos no rosto, murmurando que era um ridículo, e começou a rir sozinho no meio da calçada arborizada.

Aquilo tinha sido muito ridículo...
Mas, sinceramente?
O que mais se poderia esperar de uma conversa entre Kauan e Samuel?

Chapter 5: Novas tentativas

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O amor pode começar de mil jeitos... inclusive brigando pelo nome de um sapo.

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Ainda naquela mesma terça-feira, quando o sol já havia se posto e o céu de Manaus se fechava em nuvens carregadas, Kauan ajudava sua mãe a preparar o jantar. Emilly e Sophia brincavam juntas na sala. A casa era preenchida pelas vozes infantis das gêmeas, pelo borbulhar da panela no fogo e pelo barulho da faca contra a tábua de cortar.

Na cozinha, Carolina estava encostada na pia de mármore, o cabelo cacheado preso de qualquer jeito e sorrindo enquanto observava o filho fazer duas coisas ao mesmo tempo, agora em frente ao fogão.

— Você quer que eu ajude, pelo menos, com a carne? — ela perguntou, risonha.

— Não, a senhora vai colocar aquele tempero esquisito que eu sei. — Kauan respondeu, franzindo o nariz, e Carolina riu, se aproximando.

— Eu ia mesmo. Fica muito mais gostoso.

— Mentira. Estraga o meu estrogonofe.

Ela deu um tapa na nuca dele, e Kauan só se encolheu em protesto, rindo logo em seguida.

— Sabe... — Carolina sorriu, marota, abrindo a panela rosa, na qual o arroz ainda borbulhava. — As garotas amam garotos que sabem cozinhar.

Carolina riu, e Kauan soltou sem querer:

— Eu quero é distância de garotas...

Ele percebeu o que disse.
Pane no sistema.
Tela azul.
Reiniciando.
Ele riu, nervoso, quando sua mãe arqueou a sobrancelha. E continuou:

— É... é que, bem, lembra daquela garota do Canadá, né? Ela me perseguiu durante três meses... Traumatizante, né... Prefiro manter distância... Por enquanto.

— Hm. Entendi. Tá certo mesmo, meu nego ainda tá muito novo pra pensar em rabo de saia! — Carolina disse, afinando a voz, pegando o rosto do filho com ambas as mãos e beijando a bochecha dele repetidas vezes. O bicolor gemeu em protesto, tentando se afastar e voltar para seu estrogonofe, enquanto Carolina só ria de sua reação.

Até que...

— Manhêeee! A Emilly não quer me devolver a minha boneca! — a voz infantil de Sophia veio da sala.

Carolina bufou, soltou o filho e marchou para a sala, já mandando Emilly devolver a boneca.

Enquanto isso, Kauan mexia a panela rosa, com uma colher rosa, soltando um suspiro cansado.
Envolto nos aromas agradáveis que emanavam das panelas no fogo, a fala de sua mãe ficou cravada em sua mente:

"Garotas amam garotos que sabem cozinhar."

...

Mais tarde, quando uma chuva fina caía do lado de fora, Kauan já estava deitado em sua cama, encarando o teto do quarto.
Ainda pensava no que sua mãe disse...
Se perguntava quando teria coragem para falar a verdade... Talvez nunca. O medo era maior.

Kauan se virou na cama, agora encarando os pôsteres de banda que ele nem escutava mais, mas que estavam ali ainda porque "parecem muito héteros".
E então... ele lembrou do garoto das miçangas.
Samuel.

Ele riu sozinho, lembrando do rosto indignado do garoto quando eles começaram a discutir na escola.
Kauan ainda não conseguia acreditar que discutiu o nome de um sapo com um garoto que nem conhece direito.
Mas o riso morreu quando lembrou das fofoquinhas que, em pouco tempo na escola, Kauan escutou:

"Eu ouvi dizer que o Samuel do primeiro ano fez uma animação explícita de um dos garotos do terceirão."
Ridículo.

"Eu vi ele falando com uma planta semana passada, tipo, ele falava como se a planta fosse gente."
Esse, com certeza, é verdade. Ele fala com um sapo, por que não com uma planta também?

"Ele tava no shopping semana passada, e ele se jogou nos braços do pai como se fosse normal."
Talvez?

Kauan lembrou também do bullying.
Dos apelidos maldosos: esquisito, Dr. Dolittle, EcoBicha, Bambizinho, Flora gay...
Dos esbarrões propositais no meio do corredor, dos puxões de mochila.
E de como Samuel não ligava pra nada disso, em como ele agia como se nada estivesse acontecendo.

Kauan bufou e se enrolou todo com a coberta azul royal, parecendo um casulo humano...
E o último pensamento antes de dormir foi:

"Talvez eu tente conversar com ele de novo amanhã..."

Chapter 6: (Re)começo

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No dia seguinte, o sol da manhã já iluminava o Bairro Novo, e Samuel saía de casa passando a mão pelos cabelos bagunçados, murmurando que precisava retocar a cor azul das pontas de seus cachos indefinidos. O tempo ainda estava meio úmido por conta da chuva que caíra durante a madrugada, deixando o ar com aquele cheiro de terra molhada.

Cauã Reymond, o gato da vizinha, estava deitado no muro da casa de Samuel — o bichano parecia julgar tudo com seus olhos vesgos. Samuel passou a mão entre as orelhas do animal e seguiu em direção ao portão. Mas então parou.

Por que o garoto sem graça estava sentado no banco da casa ao lado, coçando a nuca como se estivesse... nervoso?

Samuel estreitou os olhos.

Os olhos bicolores se voltaram para ele.

Kauan se levantou na hora… Dando tchauzinho?

Samuel caminhou até ele, devagar, como se tivesse todo o tempo do mundo. Parou ao lado do mais alto, deu bom dia primeiro para o agora, Alfredo César — que pulava para o lago — e só então se virou para Kauan, que estava com um sorriso meio... travado.

— B-bom dia? — Kauan disse.

— Bom dia. Tava me esperando? — Samuel respondeu, desconfiado.

— Ehh... sim... Bem... Eu... Eu queria me desculpar por... discutir com você ontem... por um motivo tão idiota — o moreno riu, nervoso, ao final.

— Bem, eu desculpo, mas não acho que o nome do Alfredo César seja um assunto idiota. Era só isso que você queria?

— Bem... se você quiser... eu... queria conversar... como pessoas normais fazem.

— Impossível. Eu não sou normal. Mas a gente pode conversar — Samuel sorriu e ajeitou o próprio uniforme escolar.

— Então... a gente pode começar indo juntos pra escola? — Kauan apertou a alça da mochila com mais força.

— Claro! Mas eu falo muito, tipo, muito mesmo. Minha irmã odeia isso em mim. Na verdade, ela odeia tudo em mim. Até o fato de eu existir. Ela é insuportável, sabe — Samuel começou a falar, puxando Kauan pela manga do casaco como se eles já fossem íntimos.

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Samuel não estava brincando quando disse que falava muito. Eles já estavam no corredor da escola, e o garoto já tinha falado sobre como cuidar de musgos nas plantinhas que ele tem, como ele cuida do Cândido — seu jabuti —, como o brechó da Dona Marta é melhor do que qualquer loja, como ele sabe fazer animações, como Heitor é o melhor pai do mundo, como o pessoal da escola é chato, etc, etc, etc.

E Kauan? Kauan escutava tudo, sem interromper. Samuel era realmente legal, pelo visto. Esquisito, mas legal. Andavam lado a lado no corredor da escola.

— Aí, meu pai disse que uma vez eu me perdi no shopping quando tinha dois anos, e a chata da Sarah quis comemorar o meu sumiço! E a garota só tinha cinco anos! Pra você ver o tanto que ela me ama — Samuel falava gesticulando demais. Era engraçado, principalmente quando ele franzia o nariz. Kauan riu da história. — Enfim, cê não falou nada sobre você até agor...

TRINN!

O sinal tocou. Já tinha passado tanto tempo assim?

Samuel fez careta em desagrado. Kauan olhou pros lados — ele nem percebeu quando começou a garoar de novo lá fora...

— Tenho que ir pra minha sala — Samuel disse, emburrado. — Quer ir junto pra casa mais tarde?

— Pode ser — Kauan sorriu, de verdade dessa vez. Já não tinha mais motivo pra se sentir nervoso.

Eles se despediram e cada um seguiu para sua sala, se perdendo em meio à multidão de adolescentes hétero top, garotas com um quilo de reboco na cara e gente que dizia que tomou banho, mas claramente não tomou, usando a desculpa de que “tá frio”.

E, em meio a isso, Samuel estava com o rosto enfeitado por um sorriso. Porque era a primeira vez, depois de muito tempo, que ele conversava com alguém assim — sem ser seu pai...

E eles nem imaginam que esse é o começo da amizade mais caótica daquele bairro...
Ou talvez, algo mais do que uma simples amizade...

Notes:

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