Chapter Text
[Fronteira Sul – Próximo de Gaza – Última vigília da madrugada]
A areia levantava em nuvens baixas, como véus tímidos dançando sobre a estrada.
O mensageiro cavalgava só.
O capuz puxado até as sobrancelhas, o corpo coberto de pó, o olhar atento demais para alguém que dizia não trazer “nada de importante”.
Mas trazia.
Dentro da bolsa presa ao cavalo, havia um pergaminho selado duas vezes.
Uma marca era de Jerusalém.
A outra… de uma fonte anônima, escrita à pressa, por mãos nervosas.
Uma única frase em latim irregular:
“Ela vive. Casou-se com ele.”
O mensageiro não ousara abrir mais do que isso.
Mas o nome que viera junto, num sussurro do oficial que lhe entregara a carta, não saía de sua cabeça.
— “Mirana de Altheris…”
E por isso ele corria.
Não por ouro.
Mas porque carregava o nome de uma mulher que deveria estar morta.
E Jerusalém não perdoava fantasmas.
Foi na segunda curva da trilha seca que ele viu as sombras.
Três homens.
Montados.
Parados como sentinelas não declarados.
O mensageiro tentou disfarçar o nervosismo.
Mas um deles ergueu a mão, ordenando:
— “Desça.”
Ele hesitou.
— “Sou homem da fronteira—”
— “Desça.”
O tom era de quem não se repete.
Dois dos cavaleiros desmontaram. O terceiro apenas observava.
O mensageiro tentou dar um passo atrás.
Foi empurrado com força.
— “Está com pressa, viajante. O que carrega?”
— “Só ordens comuns.”
Mas o mais alto já havia aberto a bolsa.
E viu.
— “Um selo real…”
O silêncio que se seguiu foi perigoso.
— “Acho que o senhor Salah ad-Din vai querer ver isso pessoalmente.”
[Acampamento de Salah ad-Din – Alto deserto – Início do dia]
O comandante lia em silêncio.
O pergaminho, desgastado pela areia, ainda trazia dois nomes:
Mirana de Altheris.
Balduíno IV de Jerusalém.
E uma frase:
“A cidade marchará. A culpa foi lavada em sangue.”
Salah ad-Din dobrou o papel lentamente.
As mãos firmes, mas o olhar… distante.
— “Então ele agiu.”
Um de seus generais observava à distância.
— “Executaram os traidores. O povo grita por justiça.
E o rei… está pronto para marchar.”
Salah ad-Din cruzou os braços.
— “Não por Jerusalém.
Não por território.
Mas por ela.”
— “A ruiva?”
— “Aquela que ele jogou às águas… e que o mundo agora sabe que vive.”
Ele virou-se para a tenda.
— “Mirana foi o catalisador.
Mas a guerra, meu amigo… já era inevitável.”
[Jerusalém – Três dias após o julgamento – Aposentos do rei]
O sol subia, mas Balduíno IV ainda não descera ao conselho.
Relatórios militares chegavam a cada hora.
Tropas bizantinas se movimentavam.
Aliados esperavam ordens.
Mas o rei… permanecia recluso.
Sybila caminhava pelos corredores.
As roupas simples, o rosto firme.
Ela não dizia aos lordes que o irmão estava em silêncio.
Ela apenas respondia, organizava, e mantinha o reino de pé.
— “Ele ainda pensa nela.”
Comentou um dos conselheiros.
Sybila ouviu.
Mas não respondeu.
Ela já sabia.
O rei ainda amava.
E estava pronto para destruir…
tudo o que o lembrava que não era amado de volta.
[Ducado da Bretanha – Castelo de Tréguier – Quarto dia após o julgamento]
O clima estava cinzento.
Mas não por chuva.
Era o tipo de sombra que vem da vergonha.
Do luto.
E do medo.
O conde Hervé de Tréguier caminhava de um lado ao outro da sala de pedra.
O pergaminho em sua mão tremia.
O selo havia sido rompido com pressa.
— “Executados.”
— “Meu irmão… minha filha…”
O mensageiro curvou-se, em silêncio.
— “E nenhuma clemência foi pedida?”
— “Nenhuma, senhor.”
O duque Conan IV, seu irmão, enforcado.
Lady Isolde, sua filha, morta ao lado dele.
O plano que haviam traçado com Guido, desmantelado.
A glória que sonhavam… transformada em vergonha pública.
O conde lançou o pergaminho contra a mesa.
— “Eles nos envergonharam até o fim.”
Um conselheiro mais velho tentou apaziguar:
— “Jerusalém terá inimigos maiores que a Bretanha.
E agora tem menos aliados.”
— “Aliados ou não…
o nome Tréguier não será esquecido por isso.”
Hervé virou-se para a janela.
Ao longe, os sinos dobravam.
Não por fé.
Mas por reputação perdida.
— “Iremos chorar a morte deles em silêncio.
Mas jamais… perdoar quem os enforcou à luz do sol.”
