Work Text:
Mais uma vez, estava lá ele, de frente ao espelho do banheiro. Esse horário do dia era sempre o pior horário, ele se encostou na pedra úmida e gelada da pia, sob uma luz amarelada sobre o espelho, vindo da arandela cravada na parede.
Ele tocou com as mãos que tremiam pela ansiedade e excesso de cafeína, passou os dedos sobre as sardas claras, e os fios alaranjados caindo sobre sua testa.
Ele tinha que fazer isso, mais uma vez.
Tirou a camisa larga, e revelou uma estrutura magra, e o busto fortemente enrolado com faixas, e coberto por pelo menos dois sutiãs bem apertados. Ele fazia de tudo para se livrar daquele maldito busto. Mas sabia que não tinha milagre que o fizesse satisfeito consigo.
Arrancou com penar tudo que cobria seu peito, e, mostrou os seios reprimidos; como ele odiava aquela parte de seu corpo, seu rosto era bonito, magro, alvo e cheio de sardas, e uns resquícios de barba cresciam em seu queixo, isso o fazia minimamente contente, mas não o resto de seu corpo.
Ele vislumbrou um pouco a sua imagem no espelho, e seus olhos se encheram de lágrimas. Seu devaneio permaneceu por longos segundos, milhares de pensamentos, nenhum deles bom sobre si, e ele pensou em até botar de volta um dos sutiãs, mas seus pensamentos cessaram assim que ouviu o barulho da porta abrir.
— Tá tudo bem aí, Calisto? — uma voz grave, porém dócil soou, era de Morato.
Calisto.
Era um nome que ele gostava.
Um nome verdadeiramente bonito.
Ele olhou para o homem que entrara no banheiro, e tentou engolir o choro, falhou miseravelmente. Morato entrou, e rapidamente acalentou o namorado, ele o puxou para um abraço caloroso, beijando o topo de sua cabeça, enquanto o outro encharcava de lágrimas a pele retinta do amado.
— Eu tô aqui, tá tudo bem, Cal. — disse, enquanto acariciou os cabelos ruivos e curtos dele. — Eu posso te fazer companhia se preferir…
— Não precisa, sério. — a voz doce do ruivo protestou, se separando do peito de Morato.
— Eu consigo, eu só preciso de um tempo.
Morato, mais uma vez, beijou o topo da cabeça de seu namorado, e se afastou, indo fechar a porta.
— Me grita qualquer coisa. — ele esboçou um sorriso, e saiu do banheiro.
E lá vamos nós de novo
Foi questão de quase 40 minutos, apenas para Calisto conseguir tomar um banho em paz.
. . .
O ruivo saiu do banho enrolado em uma toalha que cobria o corpo inteiro, era uma das toalhas de Morato, e procurou pelo homem, apenas para achá-lo no sofá de casa, deixando um noticiário tocando de fundo, enquanto quase dormia, estirado.
Podia-se confessar que tirou um sorriso de Calisto.
— Momo, pode me ajudar a colocar as faixas? — o Ruivo disse, se aproximando do namorado, segurando consigo um rolo de bandagem.
Quase que de imediato, Morato se levantou, ainda atordoado, mas concorda em ajudar o amado, mesmo que ainda um pouco embriagado com o sono
— Mmm... tá bom, me dá elas aí, ruivinho
Ele se sentou de costas para Morato, e tirou a toalha, tentando olhar apenas para cima, não queria ter motivo para se olhar de novo; ele sentiu as mãos do namorado passarem varias vezes pelo seu busto, o cobrindo e puxando as faixas com força, e as amarrando.
— Obrigado Momo — Ele conseguiu abrir um sorriso, e logo depois, sentiu os braços fortes de seu homem lhe apertando a cintura, enquanto ele descansou a cabeça nos ombros repletos de pintas, e soltou um suspiro quente
— Cê tá geladinho, Cali. — Ele acomodava cada vez mais a cabeça na dobra do pescoço do rapaz, sentindo suas tranças soltas, caindo por cima de seu rosto.
Os dois ficaram por ali por quase 5 minutos em silêncio, com o noticiário sendo a única fonte de som que se tinha. O rosto de Calisto tomou uma cor rosada, e tentou falar alguma coisa, que saiu baixinho, como quem não quer atrapalhar nada que está perfeito.
— Morato, eu preciso me vestir...
sem resposta.
o namorado havia adormecido em seu ombro, aproveitando a umidade que permaneceu do banho.
Que mal que isso pode fazer, não?
Calisto se permitiu sorrir, o namorado parecia um leãozinho sonolento. E com muito cuidado, conseguiu se posicionar de um jeito confortável, escorando os cabelos molhados na almofada do sofá, e dormindo logo depois
A manhã foi pacifica por um tempo, o sol que vinha por debaixo das persianas da janela do apartamento, invadia a sala com um tom dourado carismático. O rapaz suspirava calmamente em seu sono, os cabelos bagunçados em consequência de ter dormido antes mesmo que eles secassem os fizeram cobrir parte de seu belo rosto. Foi um sono tão tranquilo, que ele não fez questão de acordar de madrugada apenas para acordar o namorado e ir para a cama, aquilo estava perfeito.
Trim Trim!
O barulho do antigo telefone fixo inundou os sonhos de ambos; Calisto foi o primeiro a acordar. Ele se retirou com cuidado do abraço de Morato, e ajeitou a toalha em sua cintura, nem se deu o trabalho de se perguntar as horas, apenas foi com um passo preguiçoso em direção ao telefone.
— Alô? — Calisto disse com uma voz preguiçosa e rouca
— ...Oi filha!
o estômago de Calisto gelou.
óbvio que tinha que ser sua mãe.
Ele não conseguiu ouvir muita coisa, tudo que vinha em sua mente era estática. uma ensurdecedora estática de rádio, ele não sabia quanto tempo ficou alí parado, mas não prestava atenção em nada do que a mulher dizia pelo outro lado da linha.
Ele suspirou fundo, e tentou protestar
— Mã...
— O casamento vai ser dia 15 de setembro, sua irmã pediu que todas as mulheres convidadas fossem combinando! eu vou te mandar o dinheiro do vestido pelo correio, você vai ficar uma princesa!
— Mamãe..
— Beijos, até depois, ****..
Calisto se recusou a ouvir o resto da frase.
Ele jogou o telefone na parede, a frustração encheu seu coração. A manhã que até uns 5 minutos atrás tinha sido tranquila, havia se tornado mais um motivo de desassociação.
O ruivo não queria chorar, não podia chorar, e então só andou de modo desengonçado até a cozinha da casa, agarrou 4 cápsulas de café instantâneo, e jogou uma na cafeteira de casa, esperando a água ferver, enquanto maltratava do próprio braço, o coçando compulsivamente.
Que desgraça.
. . .
Morato acordou com o maldito som do telefone fixo, mas não ousou sair do sofá, o conforto que ele estava experienciando era um tipo de conforto que ele não tinha há muito tempo devido ao trabalho e outras questões. O homem só veio a acordar de novo quando sentiu o cheiro de café preto inundar a casa.
Merda.
ele se levantou, correndo, os olhos arregalados em preocupação, ele procurou pelo seu ruivo por perto, mas nada, e apenas quando pisou na cozinha, ele viu.
Morato soltou um suspiro longo, e desfez sua pose alerta. Lá estava ele, o pequeno ruivo, ainda sem vestimenta alguma, segurando uma toalha branca sobre a cintura, curvado em frente da minúscula mesa de jantar dos dois.
— meu Deus, Cal, o que foi, ruivinho? — O retinto se aproximou do namorado, acariciando lhe as costas
O cheiro de café infestava todo o ambiente, Morato percebe as várias cápsulas jogadas sobre a mesa, aquilo lhe preocupava. Morato sabia que um dos jeitos que Calisto lidava com as frustrações era... café, muito café. Isso não só causava tremedeiras e ansiedade no ruivo, como também, a preocupação de Morato por sua saúde. Algo de ruim tinha acontecido, ele conhecia o namorado.
— Cal..
— Minha mãe, ela... ela ligou.
Morato contraiu os lábios, e tentou alcançar uma das mãos de seu amado, e quase como um gato arisco, Calisto não permitiu o contato.
— Era sobre o casamento da sua irmã, né?
O ruivo olhava para o vazio, e confirmou vagarosamente
— Ela não vai me deixar entrar. não se eu não estiver com um vestido, "uma princesa" como ela disse.
Morato contemplou um pouco a situação, seus olhos escuros tinham um brilho especial enquanto olhava para seu ruivo. Ele se levantou, e infiltrou sua mão pelos cabelos de cor quente, descansando sua palma nas bochechas rosadas, e cheias de suas lindas sardas.
— E cê acha que eu vou deixar que alguém te desrespeite desse jeito? — A voz grave soou, acompanhada de um sorriso radiante.
Os olhinhos de Calisto brilharam, como aquele homem era tão reconfortante? Conseguia o fazer se sentir tão bem.
— Tch... e como você acha que vai resolver isso, Morato? não tem jeito. — Disse o ruivo, sem muita esperança na voz
— Ah, você não precisa se preocupar com isso, ruivinho — Morato se aproximou de Calisto, depositando um beijo em sua testa parcialmente coberta por fios alaranjados. — eu vou dar meu jeito. Mas agora vamos dar uma pausa no café, hm? — o rapaz de tranças alcançou a mão do namorado, tirando a caneca, ainda cheia de café, de sua posse.
— Não! Espera, Momo! — o Ruivo tentou inutilmente alcançar de volta seu precioso café, parecendo uma criança
Mas Morato foi mais rápido, tirou-lhe o café, e jogou na pia
— Vamos assistir alguma coisa, Cal, você não pode ficar chateado o dia todo, querido.
Morato passou os braços por debaixo dos de Calisto, o abraçando, e levantando o corpo mole do ruivo, que nem lutava contra, ele só se deixou ser levado, com uma cara tristonha.
— vamos, o que você quer assistir?
Silêncio. Calisto não queria falar nada, ele estava pensativo enquanto era arrastado pelo namorado até a sala, ainda só com uma toalha presa à cintura, pendendo a cair.
— Calisto.
— Hm? Oi.
— Fala o que você quer assistir, ou eu vou escolher missão improvável de novo
Calisto se colocou de pé, e bufou.
— pode ser o filme daquele bicho fofão que voa?
— Totoro? — Morato perguntou, com as mãos sobre a cintura, admirando o belo cabelo de cor quente de seu namorado, a cor bonita, reluzente, dava uma sensação de conforto. Toda vez que ele parava para pensar, era como se a cor de fogo queimasse seu coração. Laranja era realmente sua cor predileta.
— É, é, esse aí, pode ser. — ele disse, indo até o sofá, se jogando para trás, caindo na superfície macia, e botando as mãos sobre o rosto. — Morato, pega uma muda de roupa para mim? — Calisto disse, abafado pelas próprias mãos.
Morato sorriu, e olhou para o corpo do namorado, era tão branquinho que parecia feito de leite. Ele adorava ficar grudadinho nele, traçando suas pintinhas, ficaria por horas assim se possível, mas ele foi obrigado a se tirar do devaneios, ele ainda tinha um ruivinho chateado para cuidar.
. . .
Morato chegou com uma muda de roupa, não de Calisto, dele, ele sabia o quanto o namorado gostava das suas roupas, ficavam largas em si, ocultavam muito bem tudo que não queria mostrar
Só o sorriso do ruivo já disse tudo, ele pegou as roupas, e vestiu com prontidão, a blusa larga dos Mamonas Assassinas, e o short bege grande, que cobria bem o quadril. Ele se sentou, com um pequeno sorriso em meio aos lábios, e o rosto claramente enrubescido, enquanto o namorado colocava no aparelho um disco, saído diretamente de uma capa escrita "meu Amigo Totoro"; terminando de checar o leitor, ele se senta ao lado de Calisto, o envolvendo com os braços em um gentil abraço.
[...]
Chegou o tão esperado dia do casamento, foi marcado o encontro em um salão de festas, às 12:30.
Calisto acordou desanimado, com nenhuma força para se arrumar, mesmo assim, se obrigou a se levantar.
Aconteceu tudo como a rotina demandou, ele se levantou, colocou alguma roupa larga o suficiente para esconder o corpo inteiro, escovou os dentes, e olhou para os números no calendário
Dia 15.
Oras, claro, hoje é o dia em que sua irmã, Sofia, se casaria com um homem de boa família, bonito e, qual era seu nome mesmo? Calisto se lembrou apenas do sobrenome, Veríssimo.
Enfim, era hoje o dia em que seria obrigado a abandonar todo o conforto que construiu por anos; finalmente estava contente consigo, nem que fosse um pouco, mas isso tudo iria por água abaixo.
Ele admirou por uma última vez no espelho, traçou na imagem suas sardas, que cobriam toda a superfície de seu rosto, e parou os olhos em seu pequeno cavanhaque, que penou para fazer crescer durante seu tratamento hormonal.
O ruivo abriu um pequeno sorriso, ele lembrou que Morato gostava de o provocar, chamava a pequena porção de pelos de "barbichinha" para enfesar o ruivo, mas, apesar disso, sabia o quanto o retinto amava aquele cavanhaque. Mas agora ele iria jogar fora toda aquela alegria, pela irmã dele.
Calisto alcançou as gavetas embutidas na pia do banheiro, tirando de lá uma máquina de barbear, do Morato, e a ligou.
— é, o que eu não faço por ela, né? — o ruivo disse, dando uma última olhada no seu reflexo, aproximando cada vez mais a ponta de metal da máquina de seu rosto, a ansiedade e angústia subiam cada vez mais a sua espinha, ele fechou os olhos, e sentiu seu coração por um fio de quebrar.
— Ruivinho! — Calisto olhou para a porta, agora aberta do banheiro, com uma expressão assustada, dando até um pulinho com o barulho repentino. Morato, na porta, o observava com certa raiva no olhar. — O que você pensa que tá fazendo, homem??
— Hoje é o casamento da Sofia, lembra? — disse, enquanto abaixava lentamente a maquininha, que fazia um zumbido chato contra a pedra da pia. — Eu já vou ser obrigado a usar um vestido, por que não já raspar a barba? Se é uma mulher que minha mãe quer, é isso que ela vai ter! — o rapaz dos cabelos cor-de-fogo disse em um tom alto, debochado, mas demonstrava certa melancolia na voz.
Morato se aproximava cada vez mais, ainda com a face brava; com uma mão, ele segurou o rosto do menor, apertando levemente suas bochechas ao segurar entre os dedos a superfície macia, Morato podia viver no macio das bochechas de Calisto…
— Primeiramente, sua mãe pode ir para o caralho, eu que mandei. Você não vai rapar minha barbichinha. Segundo!... quem é que disse que você usaria o vestido?
Calisto abriu sua boca parcialmente, seu olhar ganhou um brilho novamente.
— como é que é?? — perguntou, desacreditado, ainda ouvindo o som do zumbir da
maquininha cessando ao movimento de arrancar a conexão da tomada.
— Eu vou de vestido, você vai de terno. — disse o retinto, saindo do banheiro brevemente, apenas para alcançar uma sacola, onde estava guardado o vestido vermelho, de seda reluzente, tomara-que-caia, acompanhado de um cachecol de pelos artificiais, nas medidas dele.
Calisto botou as mãos sobre a boca, mas era evidente que ele abrira um sorriso gigante.
— Cê não fez isso não, Momo…
— ah eu fiz! E ainda encomendei um terno do seu tamanho! — Morato entregou nas mãos do ruivo uma outra sacola, nela, um terno preto, que Calisto não teve a coragem de abrir, ele apenas deixou-o de lado, abraçado o namorado com uma força equivalente ao amor que ele sentia pelo rapaz de tranças naquele momento.
— Eu não tô acreditando, você fez isso mesmo, Morato! — ele deixava alguns risinhos e gargalhadas abafadas pelo peito coberto do maior, que o abraçava igualmente caloroso.
— Eu não iria suportar te ver chateado, meu bem~ — o rapaz infiltrou uma das mãos pelos cabelos de Calisto, descansando sua palma na macia bochecha manchada das pintinhas, forçando-o a olhar para si, e ali mesmo, roubou um selinho do namorado, que aceitou muito bem o gesto.
. . .
Estava de tarde, uma tarde mais bonita do que se imaginou que seria, aquele salão estava belo, iluminado com luzes amareladas vindas de candelabros altos, uma decoração baseada em seda e cetim avermelhados que passava uma grande impressão de riqueza, pilares de mármore iluminado que reluzia pelo salão enorme, uma área de buffet, e uma paisagem de pessoas bem vestidas que cheiravam à riqueza, algumas tinham até cara de estrangeiro.
O casal chegou de um táxi, e o primeiro a sair foi Calisto, a sua figura arrumada, com os cabelos naturalmente ruivos pairou por fora do salão, usando o terno preto que servia muito bem em seu corpo, seu cavanhaque brevemente aparado, para que concordasse com a formalidade do casamento, sua calça de lã fria tingida também de preto, que ficava um pouco larga na fisionomia magra do Besatt, e um sapato de couro marrom, reluzente e polido. Consigo usava um anel prata — anel de compromisso — que por dentro tinha cravado o nome de seu amado.
Morato, pelo outro lado, pisou fora do carro, com um salto alto que aumentava de sua altura original pelo menos 5 centímetros, vermelho carmesim, com detalhes dourados, suas pernas estavam quase perfeitamente depiladas, isso junto de seus braços e seu rosto, que não apresentavam sequer um pelinho; ele tinha em seu corpo, o vestido avermelhado que comprara, com uma fenda chamativa em sua perna esquerda, o tomara-que-caia exibia os ombros robustos do rapaz de pele negra, isso acompanhado de um cachecol de pelos brancos bufante e elegante. Usava de várias jóias prata, em seu pulso e seus dedos por cima de longas luvas de cor preta, e brincos extravagantes; seu rosto estava maquiado, uma sombra escura, rímel exagerado, e um batom de cor marrom escuro, por fim, suas tranças, presas em um pequeno coque, segurados por sua bandana amarrada em formato de laço. O homem estava realmente belo e extravagante comparado ao namorado, que estava simples, mas aquilo era perfeito.
Os dois se deram os braços, Morato como uma verdadeira dama, Calisto como um conforme cavalheiro.
— ei, ruivinho — Morato chamou baixinho
— Hm? Fala, amor
O coração de Morato deu uma batida mais forte, desde que ele havia presenteado o terno para o namorado, Calisto estava mais carinhoso com as palavras, estava feliz por ver o namorado relaxado de verdade em semanas.
— Você ficou um gatão.. — Morato ajeitou uma mecha rebelde que caía sobre o rosto do mais baixo. — Lindo mesmo, nem dá pra acreditar que é só meu
Calisto deu uma breve risada, olhou com os olhos brilhando para o namorado, ajeitando as dobras do vestido dele.
— Você também, querido.
— Até mesmo nesse vestido?
—... Você fica lindo em qualquer coisa. — Calisto disse em um sorriso doce, ainda admirando a beleza do parceiro. —
— Tá bem, chega de me bajular, nós temos um casamento para ir. — Morato disse em um tom brincalhão, mas era verdade, eles ainda tinham um casamento para comparecer, e a tarde já estava ficando fria demais para ficarem na parte de fora.
Calisto enlaçou os dedos com os de seu namorado, apertou com força e deu um passo para frente, e se deparou com a decoração bonita, seus olhos acastanhados brilharam, o salão era a coisa mais bela, pena que recheado por pessoas ignorantes, e depois de uma troca de olhares, e uma visão geral do lugar, o ruivo achou sua família — o conjunto de sua mãe e algumas tias que ele decidira evitar — e soube exatamente onde não passar.
— Vamos ver a cerimônia e ir embora — Calisto sibilou baixinho. — Tem umas pessoas aqui que eu jurei para mim mesmo que nunca mais olharia na cara...
Morato olhou um pouco desapontado para o amado — levou 3 horas para poder se arrumar daquele jeito — mas sabia que era verdade, se ficassem lá por muito tempo aquilo viraria uma chacina, ao invés de um casamento feliz.
— Você quem manda, eu tô aqui pra te fazer companhia, eu não acho que conheço ninguém aqui...
— Eu só quero ver minha irmã feliz. — O ruivo bufou pesado, fechando os olhos. — Mesmo que eu cortei contato com a família inteira por causa da transição, eu ainda amo ela, eu só quero ver a Sofia bem.
Morato deu um sorriso fofo, e percebeu algumas poucas lágrimas se formando nos olhos de seu parceiro, e logo as enxugou com um dedo, dando um beijo sereno em sua bochecha.
— Se anima, paixão, você vai ver ela, deixa a emoção para quando ela estiver lá na frente, beijando a boca de um ricaço! — o trançado brincou, e viu uma mudança sútil no humor do ruivo, mas logo se esvaiu.
Morato apertou a mão de Calisto com a sua, e o puxou para mais perto
— Sabia que seus olhos são lindos quando você não tá chorando? — ele perguntou, com um sorriso ladino, e paixão profunda no olhar.
— Eu.. Eu.. — Calisto ficou sem o que dizer, apenas sentiu o sangue correr pelo seu rosto, falando timidamente. — Obrigado..
— Agora vem, eu quero ver o que tem para comer!
Saiu Morato arrastando seu namorado pelo salão, à procura de algo para se empanturrar.
. . .
Depois de uma frustrada tentativa de fazer Calisto comer algo, mas saber que o Buffet seria liberado só depois da cerimônia, agora estavam os dois namorados sentados em uma mesa adjacente, separada da maioria dos membros da família, mas, apesar de todos os esforços que eles fizeram para não se encontrar com qualquer um, obviamente tiveram alguns encontros vergonhosos, nomes mortos jogados por aqui e por alí, situações mais do que desnecessárias, que fez com que Calisto reconsiderasse a decisão de ter ido ao casamento da irmã, mas Morato não deixava nada passar, qualquer mínimo comentário infeliz era rapidamente cortado.
Logo foi anunciado o começo da cerimônia, o cerimonialista pediu a atenção de todos no espaço, e música começou a tocar, então, entrou um rapaz bem vestido, com um terno azulado simples, porém, a vestimenta era de boa qualidade, o sapato social em couro preto perfeitamente polido que dava todo aquele ar de aristocracia. Aquele homem que tinha o bigode castanho perfeitamente alinhado, acompanhado de costeletas bem estilizadas, e o cabelo penteado para o lado, reluzia como se estivesse encharcado de gel. Ele parecia confortável, tinha um sorriso discreto e os olhos de cor vermelha brilhantes.
— Esse deve ser o tal do Veríssimo — Calisto disse baixinho, direcionado ao namorado. — Ele é até arrumadinho.. — disse sem muito entusiasmo, não estava mais tão animado para ver aquele casamento.
— Ah não...
— Hã? O que foi? — Calisto perguntou, confuso ao companheiro ao seu lado, que agora tinha uma aparência tensa
— Esse cara... Puta merda, Ruivinho, por que você não me contou que o noivo da sua irmã é o meu ex chefe?!
Calisto deu um grande suspiro de surpresa, e não deixou de rir um pouco, ainda impressionado.
— Pera aí, é ele?? — mais uma vez o ruivo riu, tentando disfarçar. — Quais são as chances..! Eu nem sabia quem ele era até hoje — Calisto agora estava com um certo bom humor, um sorriso divertido ao ver Morato se encolhendo na mesa, morrendo de vergonha do ex chefe, não sabia onde enfiar a cara.
— Eu não acredito que sua irmã ta casando com esse cara.. puta que pariu, mais um motivo pra gente vazar assim que a cerimônia acabar — ele escondia o rosto com seu cachecol de pelos sintéticos, tinha suas bochechas quentes, era uma das coisas mais inesperadas daquele lugar. Tirou de Calisto um último breve riso, e sentiu um beijo em seu pescoço.
— _Está bem, amor, nós vamos assim que acabar, eu prometo, mas presta atenção..! Ele nem vai te ver, bobo!
O homem de terno continuou andando, sendo escoltado por um outro rapaz de sua altura, provavelmente seu padrinho, usava uma vestimenta semelhante, mas seu terno era mais de um tom violeta, os cabelos castanhos e desarrumados, o sorriso maior que o rosto, tinha um óculos de lentes rosadas na frente de seus olhos, e em sua mão, segurava um relógio de bolso dourado, parecia muito mais entusiasmado do que o noivo em si, e segurava seu braço para leva-lo ao altar, parecia não parar de tagarelar, e suas palavras pareciam ser as únicas coisas que tirava um sorriso maior do noivo.
Assim que os dois chegaram ao altar, se colocaram em uma pose ereta, e uma música diferente começou a tocar pelo salão
Sofia estava entrando agora.
Aquela mulher que caminhava bela como uma princesa, usando de um vestido armado e bem rodado, que apenas reforçava sua aparência bela, em cor branco Pérola, sua saia continha detalhes em renda florida que se espalham por sua longa cauda e parte de cima, cobrindo todo o vestido, ficando mais aparente nas mangas daquele ombro a ombro delicado, coberto das pequenas flores de renda, e, por fim, tinha suas costas abertas, que expunham a pele branca daquela mulher ruiva, na qual os cabelos escorriam naquelas belas molas naturais de seu cabelo cacheado, e seu rosto belo estava coberto por um longo véu, que era a única coisa que impedia Calisto de ver o rosto alegre de sua irmã mais uma vez. Sofia segurava um grande buquê de belas rosas vermelhas, lírios brancos, peônias rosas e cravos roxos, cada flor bela daquele buquê que com certeza custou um rim pela armação, mas estava lindo.. lindo como a própria noiva.
Sofia caminhou graciosamente até o altar, algumas crianças atrás dela jogavam pétalas pelo caminho, enquanto a noiva parecia flutuar pelo tapete, chegando enfim no altar, ficando de frente ao noivo finalmente.
Calisto olhou para aquela cerimônia com os olhos cheios de lágrimas, não por estar em um lugar coberto de pessoas desprezíveis, mas por estar lá, vendo sua irmã, nem que por uma última vez, parecendo alegre com alguém que a ama. Morato percebeu a emoção do namorado, e segurou sua mão fortemente, com um belo sorriso em seu rosto.
— Ah... e.. eu estou bem, Morato, é só que... Pode ser a última vez que a vejo.. — Calisto não escondia mais as lágrimas, olhando para aquele altar, escutando os votos saindo da voz doce de sua irmã mais velha.
— Não precisa ser.. — Morato disse, apertando ainda mais aquela mão do homem, fazendo-o olhar para si. — Podemos vê-la mais vezes..
— E se ela não quiser me ver mais..? E se ela..
— Calisto, se ela te chamou é porque ela gosta da sua companhia, homem, bota na cabeça, sua irmã deve gostar tanto de você quanto você gosta dela. — Morato disse, reconfortante.
— Mas.. eu cortei laços com todos da família, me afastei de tudo, sempre era ela quem me convidava para ir aos lugares, e eu sempre ignorava, com medo. Ela deve ter desistido de mim, nem me vê mais como parte da família.. hah.. minha mãe quem deve ter me convidado só para me humilhar...
— Se você pensar desse jeito, realmente fica horroroso.. mas tenta pensar pelo lado bom, amor...
Calisto desviou o olhar, tentando evitar ao máximo aquela conversa, mas seu namorado tinha uma característica muito marcante, sua teimosia
Morato agarrou as mãos de seu namorado, que ainda estava resistente em fazer contato visual, mas o trançado segurou com força as duas em suas próprias mãos, e olhou no fundo dos olhos de Calisto, com aqueles belos olhos de jabuticaba que Morato tem, aqueles que Calisto não resiste , e começou a falar diretamente à ele.
— Amor... Escuta, eu sei que parece que tá tudo ruim, mas se você não conversar com ela pra resolver, não vai dar em nada
Calisto deu um suspiro baixinho, esboçando um sorriso fraco.
— eu só não quero que ela me trate como..
— Como o que você não é..? — Morato disse, preocupado, olhando para aquele ruivo que parecia deixar algumas lágrimas aparecerem no seu rosto — Paixão.. você nunca, nunca precisa ter medo disso, não comigo aqui.. você sabe que eu sempre vou ter uma resposta na ponta da língua para qualquer comentário desses! — o rapaz trançado tinha um um olhar coberto de amor, parecia traçar toda a complexibilidade das sardinhas de Calisto, observava cada detalhezinho do rosto do ruivo, parecia que seu coração batia mais forte a cada segundo que olhava aquele ruivo, Morato alcançou seu rosto com sua mão, sentindo aquele calor, limpando as pequenas lágrimas que escorriam pelas bochechas pintadas do rapaz. — Amor.. eu sempre, sempre vou te defender..
Calisto riu baixinho, assegurando a mão de seu namorado em cima de suas bochechas, finalmente olhando em seus olhos.
— E eu te protejo do Veríssimo, pode ser..?
— Trato feito.. — Morato deu um beijo na bochecha de seu amado, voltando a olhar para a cerimônia que acontecia.
. . .
Os votos foram belos, proferidos perfeitamente, e em momento nenhum o tal padrinho saiu do lado dos noivos, mas isso é outra história, o que importa é que a cerimônia foi finalizada em palmas e choros, e assim que os noivos (e padrinho) se retiraram do local, foi a deixa de Calisto ir embora, o ruivo estava feliz de poder ver sua irmã mais uma vez, e conseguiu se divertir, nem que fosse um pouquinho com as reações dos familiares ao look de seu namorado, mas já havia chegado a hora de ir. Calisto se recolheu, sem nem olhar para o rosto da irmã frente à frente, era melhor assim... seria melhor desse jeito.. Calisto segurou a mão de Morato, que agora ria de uma piada que ele mesmo tinha contado, e estavam indo em direção à saída, quando foram impedidos por uma voz.
— Querida?! — Soou a voz de uma mulher mais velha, na qual Calisto era obrigado a chamar de mãe. O rapaz dos cabelos de cor quente sentiu sua barriga afundar, e, antes de Morato poder falar algo, ou até mesmo fazer algo, Calisto se virou, com o rosto fechado
— Deus do céu! Olhe para você! Eu lhe mandei o dinheiro do vestido, e você veio com um terno..? Jesus, "********"! Você tá até com barba!! Você levou essa brincadeira de se fingir de homem muito longe, minha filha...
— eu já te disse... Meu nome não é esse, se quiser se referir a mim, o nome é Calisto.. e sim, eu deixei crescer um cavanhaque, cavanhaque esse que eu quase cortei fora por causa das suas baboseiras..
Morato pareceu esboçar um sorriso discreto, ficando do ladinho do namorado com sua mão na cintura do ruivo. A mulher com os cabelos também ruivos, brevemente louros, com aquela veste cara, e o rosto contraído em uma carranca enrugada.
— Olha só, garota besta.. quando você vai perceber que você tá sendo estúpida?? Parar de falar com toda a família, só porque você gosta de brincar de casinha? Já tá na hora de você sair dessa fantasia, você está doente!!
— Se eu estou doente então você e o resto da família trate de ficar bem longe, porque pode ser contagioso.. ah, e o dinheiro do vestido foi muito bem aproveitado, obrigado por isso.
Agora sim, Morato exibiu um sorriso com todos os dentes, até posando para aquela velha senhora ver suas belas vestes, o rosto daquela mulher nunca esteve tão vermelho de raiva com aquela visão, ela parecia enojada, com algum toque de raiva no olhar.
— Eu não acredito! você.. você desperdiçou o dinheiro do vestido pra essa drag de bueiro usar??
— Escuta aqui! — Morato andou com passos fabulosos naquele chão de cerâmica, cada passo fazia um estalo do salto batendo contra ele, com o rosto irritado, com certo semblante de deboche, ele ajeitou aquele cachecol de pelos sobre seu ombro, se impondo com superioridade no olhar, e a boca em um bico. — Você fala demais das aparências para quem está caindo aos pedaços!
— Como é que é? fale isso na minha cara, seu traveco nojento!
Morato tirou lentamente de sua mão uma das luvas que carregava, entregando ao namorado os aneis que carregava por cima dela, e dando logo em seguida um literal tapa de luva no rosto da mãe do rapaz ruivo, que olhou indignada para aquele homem muito bem montado, e a comoção que começava a se formar em volta daqueles três se tornou maior ainda, algumas pessoas exclamavam em surpresa, outras muito secretamente satisfeitas por já quererem fazer aquilo havia muito tempo.
— Primeiramente, você, senhora, tem que pedir desculpas ao meu ruivinho, que quase raspou a barbichinha linda dele por causa da sua insistência, e você pode me xingar do que você bem entender, mas eu jamais tolerarei que desrespeite meu homem! e segundo… Minha montagem tá muito mais linda que essa sua peruca ridícula que você botou na careca da menopausa!
Agora a senhora estava endiabrada de raiva, faltava espumar de ódio, mas, enquanto isso Calisto tentou alcançar o parceiro para que ele parasse com as provocações, apesar que estava sorrindo por seu namorado ser tão perfeito a ponto de o defender daquela mulher grotesca que ele chamava de mãe.
— Momo! Está bem, chega, meu amor..
Foi tarde demais, aquela mulher já havia avançado no pescoço do rapaz retinto como um cão raivoso, ela fazia questão de apertar com força aquele pescoço, enquanto Morato lutava para tirá-la de si, agarrando seu cabelo ruivo-desbotado e puxando com força.
Calisto agora estava deveras apavorado, tentava ao máximo puxar seu homem de volta, e tudo só piorava com o fato da comoção ser máxima agora, o ruivo entraria em pânico com todas aquelas pessoas olhando para eles, sua ansiedade subia cada vez mais, os barulhos altos e repentinos dos gritos ao redor daquele conflito eram uma poluição sonora terrível na cabeça do rapaz de terno, que foi obrigado a soltar o corpo do amado para tapar os ouvidos e tentar retomar seu foco.
Quando logo houve um berro distinto, no qual calou todos os outros, e fez até os dois no meio pararem a briga.
Era a noiva.
Sofia, ainda com seu vestido belo, agora sem o véu por cima do rosto, permitindo a visão de uma maquiagem muito bem feita, porém com o rosto enrugado em uma carranca, andava graciosa ao meio do conflito, em que olhou para todos os rostos
— Mamãe?? o que está acontecendo, porque você está… — Sofia se calou brevemente ao olhar melhor no fundo, e ver um rosto familiar para si, porém que não via havia tempos, seu rosto se amaciou em um semblante calmo e empático, falando baixo. — Calisto..?
O ruivo levantou seu rosto, olhando finalmente para a face de sua irmã mais velha, que parecia preocupada, de fato, ele não esperava que sua irmã sequer lembrasse de seu nome, mas lá estava Sofia, andando lentamente em direção a si. O homem das bochechas sardentas se botou em postura lentamente, e deixou que sua irmã viesse até ele.
— Jesus… você mudou tanto desde que te vi pela última vez… você está…
— Ridículo?
— Você está um rapaz muito lindo…! Sua voz engrossou tanto, você deixou a barba crescer! — A alegria na voz de Sofia parecia cada vez mais inesperada para Calisto, mas ele não estava reclamando.. Sofia logo pôs as mãos sobre as bochechas quentes do homem, as apertando como se ele fosse uma criança. — Como você está moço, meu bem… eu queria tanto ter acompanhado essa evolução sua… me desculpa
Calisto estava perdido nos próprios pensamentos, esperava de tudo, menos aquilo, seu coração estava cada vez mais sendo afagado pelas palavras carinhosas da irmã, mas, ainda tinha uma coisa que não se calava em sua cabeça.
— Mas, Sofia… eu não entendo, eu achei que você não acreditava em mim, por isso eu me afastei, eu achei que todos da família achavam minha transição um absurdo!
— Ha! agora eu fiquei ofendida, você me contou e nem me deixou falar nada, seu besta..! claro que eu não me importo… eu te convidei para todos os evento que tinham porque eu queria conversar sobre, mas você nunca apareceu, eu nunca pude dizer o quando isso pouco importa para mim!
— M…Mas! mamãe me falou da especificação de vestes, disse que era para todas as mulheres virem com um vestido combinando, e me falou que você queria que eu usasse um!
— Eu nunca disse à mamãe que eu queria que você usasse um vestido! disse para avisar que você devia vir com o que te fizesse confortável! — Sofia lançou um olhar afiado à sua mãe, se virando para aquela mulher que já tinha soltado o rapaz de vestido, e apresentava um semblante apavorado ao encontrar com os olhos azuis profundos da filha. — Mamãe… o que você disse ao Calisto…?
— A… A “********” ela..
— Esse nome não existe mais, mãe, chame meu irmão pelo nome dele
O rosto da mulher se pintou de vermelho de raiva, confrontando diretamente à noiva
— E.. Eu não devo respeito nenhum à uma filha que me confronta, faz tudo aquilo que me desagrada, principalmente uma que traz um tonhão pra festa e puxa meu cabelo!
— Mãe, o casamento é meu, e eu escolho quem fica ou não, peça desculpas ao meu irmão, ou vou ser obrigada a te retirar daqui.
— Eu não saio e nem peço desculpas se eu não receber as minhas primeiro! — A mulher mais velha bateu o pé no chão, parecendo uma criança fazendo birra. Aquilo fez Sofia bufar, e bater levemente no ombro do irmão mais novo.
— Maninho.. me espera no altar, por favor, leva sua companhia também — Disse a mulher dos cabelos vermelhos, se afastando de Calisto, indo em direção à sua mãe
Morato olhou para a situação toda, bufou baixinho, e segurou a mão do namorado calorosamente, acariciando-a com seu polegar, não demorou para ele deixar um beijo na bochecha de seu ruivinho, o confortando.
—Vem, amor.. você precisa de algo pra comer, gatinho
Calisto estava feliz, mesmo saindo de um conflito terrível agora pouco, ele estava com um sorriso no rosto, e se virou diretamente ao namorado, dando-lhe um beijo nos lábios, fazendo o amado praticamente se derreter em seus braços; Calisto deu um sorriso bobo, vendo lentamente seu homem se desmontar na sua frente, percebendo até suas pernas bambeando no salto, fez o ruivo tomar uma risada genuína
— Muito obrigado, meu amor, por tudo, tudo mesmo. — Uma de suas mãos foi posicionada na bochecha quente de Morato, nesse ponto já desconcertado só pelo simples ato de um beijinho surpresa do seu amado.
— N.. não há de quê, ruivo… eu faria tudo de novo e mais um pouco, só por você
— Você é perfeito, Morato… eu te amo pra caralho…
Aquilo tirou mais um sorriso bobo do retinto, que apertou mais ainda a mão do namorado como resposta, voltando a andar em direção ao altar
. . .
Depois de uma espera que pareceu horas, mesmo que foram apenas alguns minutos, depois de gritos e berros, xingos vindos daqui e dali, Sofia veio em direção ao casal, que se fazia muito confortável por simplesmente estarem no calor um do outro, junto à ela vinha seu recém declarado marido, e junto a ele vinha novamente seu acompanhante, que a este ponto fazia Morato e Calisto duvidarem da procedência dessa amizade. A noiva logo se sentou ao lado do irmão, com um breve sorrisinho para ele, e começou a falar.
— Você não sabe o quão feliz eu fiquei quando percebi que você realmente veio, desculpa a inconveniência, eu já botei ela pra fora
— Eu acho que estraguei seu casamento… eu não queria ter feito comoção, pra ser sincero, eu só queria te ver de novo, mas não sabia se você iria querer me ver, não depois que eu me afastei de você atoa
— Você é um bobo.. nunca na minha vida eu ficaria triste em te ver, você é meu irmão, a gente cresceu juntos, Calisto, pelo amor! Eu nunca na minha vida te desconsiderei só porque você não apareceu, mas eu queria muito ter conversado com você..
— Você não tá chateada? — O ruivo perguntou em um tom melancólico, mas esperançoso, desviando o olhar de sua irmã vez ou outra.
— Claro que não, mas da próxima vez que vier à um evento de família… avise que seu parceiro vem junto
Morato, do outro lado do assento, deu um belo de um sorriso para a Besatt, estendendo sua mão
— Muito prazer! Morato Vertaler, o Calisto fala muito de você
Sofia o olhou com um sorriso divertido, apertando a mão do rapaz.
— Ah sim! Meu marido me contou sobre você também, disse que você de fato era muito extravagante, mesmo quando trabalhava para ele.
Morato arregalou os olhos, aquele sorriso se esvaiu rapidamente, olhando agora diretamente para o rosto do ex-patrão, que estava ao ladinho da mulher, antes nem tinha percebido a presença daquele homem, mas agora que tinha, abaixou o rosto, tentando se esconder miseravelmente.
A situação era até engraçada, Veríssimo estava se divertindo um pouco com aquilo, o agora marido de Sofia, se virou para o outro homem que o acompanhava, dando um risinho junto ao amigo dos óculos tintos, e se virando para Morato mais uma vez, finalmente se pronunciando.
— É bom te ver, Morato, você parece que está muito bem..
— É… é bom te ver também.. você e o Arnaldo… sempre muito próximos como sempre, que amizade linda…
Tanto Veríssimo quando Sofia e Arnaldo se entreolharam como quem guardava um segredo — que na verdade todos já sabiam — e riram entre si, voltando a atenção aos dois.
— Maninho… quero que saiba que eu sempre vou te amar, independente do que você for, eu nunca vou dispensar sua companhia.. por favor, venha mais vezes, você e o Morato
— Acho que depois do que eu fiz com sua mãe ninguém mais vai querer olhar na minha cara.. — Morato cruzou suas pernas, desviando o olhar, um pouco emburrado
— Minha mãe é complicada às vezes, não é a primeira vez que ela ataca alguém só por algumas provocações, mas eu espero mesmo que da próxima vez você não saia puxando o cabelo de qualquer velhinha..! — Sofia riu um pouco consigo mesma, agora posicionando a mão sobre o ombro do irmão. — Estamos conversados?
Os olhos de Calisto brilharam, e ele sorriu, trocando a amistosidade de sua irmã, por um abraço caloroso, que, particularmente, todos os dois precisavam daquele abraço havia anos.
— Obrigado, Sofia… muito obrigado, por tudo.— Calisto sussurrou, contendo algumas lágrimas que ameaçavam cair
— Para tudo o que precisar, maninho.. eu vou estar sempre aqui.
Os abraços foram trocados, o casamento foi divertido, no final, o casal decidiu ficar para ver mais, e, de madrugada, voltaram para casa de carona com os recém casados — E o Arnaldo — e entraram, os dois estavam uma bagunça, toda a maquiagem de Morato estava borrada, aquele coque bonito que tinha feito com suas tranças já tinha sido desfeito, o terno de Calisto estava amarrotado, mas os dois estavam, apesar de tudo, muito felizes, depois de um bom banho quente, se acomodaram em sua cama quente, na qual os dois, ao invés de dormir, ficaram conversando sobre a noite, enquanto as roupas e toalhas estavam jogadas no chão, ambos abraçados debaixo de duas cobertas grossas, Morato deixando ocasionalmente beijos entre a testa e o pescoço do amado ruivo, enquanto Calisto o abraçava frente a frente, conversando baixinho, e rindo da situação, quando o iminente silêncio chegou nos dois, dava-se para ouvir o barulho de seus corações batendo fortes um ao outro, os peitos de ambos em um contato caloroso.
Era até engraçado, Calisto tinha medo de tomar banho sozinho, não porque acreditava em algum assassino de procedência direta do filme “o Iluminado”, mas porque tinha medo de se perder na própria identidade, com Morato não era assim, ele não sentia vergonha de se mostrar para o namorado, sequer tinha medo de qualquer coisa quando estava nos braços dele, com o Vertaler ao seu lado, ele podia ser “Calisto”, um nome.. verdadeiramente lindo, e significava o mundo para aquele ruivo das bochechas pintadas, e os braços de Morato, para si, eram seu shangri-la.
. . .
Passaram-se, quem sabe, alguns meses após o casamento de Sofia, e tudo parecia tão melhor, mas ainda faltava alguma coisa.
Morato estava agora vestido com sua jaqueta, sua calça preta, e seu coturno militar, andava para lá e pra cá, estava literalmente inquieto
— O que foi, professor? — Soou a voz de uma garotinha pequena, tinha os cabelos lisos e cortados em um pequeno chanel, em cor castanha avermelhada, o rosto fofinho olhava em dúvida, a garota com aquele lacinho ciano que era amarrado em seus cabelos, sentada em um tatame de encaixar, junto com quatro outras crianças, que pareciam ter a mesma preocupação.
Morato, depois de parar de trabalhar com Veríssimo, decidiu que faria um bico de professor de reforço, de início, não parecia nem um pouco divertido, estressante para se dizer o mínimo, mas os pais dos alunos pagavam bem. Porém, havia já um bom tempo que tinha criado uma grande afeição pelas crianças que cuidava, já que elas eram vistas pelos pais e professores como problemáticas, quando não, elas eram apenas crianças únicas com talentos incompreendidos, grandes demais para caber na caixinha que elas seriam postas na sociedade, assim como Morato..
O Vertaler apelidou carinhosamente aquele grupinho de “Os cinco”, cinco crianças muito únicas e bem à frente de seu tempo. Ele olhou brevemente à Dara, a garotinha mais nova do grupo, e se abaixou na frente dela.
— Não é nada, Darinha, é só que eu tô meio estressado…
duas das outras crianças, sentadas no mesmo espaço, as duas mais velhas, Lírio, um garoto bem grande para sua idade, tinha o jeitão de valentão, mas na verdade era um ursinho fofo, e se sentava ao lado do melhor amigo, Chico, ironicamente o mais velho, porém tão baixinho quanto Dara.
— Estressado com o quê, Morato? aconteceu algo com o Calisto? — Perguntou Francisco, sentado logo ao lado do melhor amigo, antes os dois lendo uma história em quadrinhos juntos.
Poxa, as crianças sabiam até o nome de seu namorado, não era atoa, o Vertaler só falava dele… e era justamente sobre ele que iria falar agora.
— O Calisto está bem, mas tá aí a questão.. eu pedi ele em casamento há um tempo, mas o problema é que não podemos nos casar legalmente no cartório, muito menos na igreja, não que era um dos meus planos.. eu queria resolver com a irmã dele um planejamento de casório, mas não faço ideia de onde fazer esse bendito casamento.
As crianças se entreolharam, riram um pouco, mas se botaram para pensar também, os cinco logo se colocaram em roda de debate junto com o mais velho.
— E ‘qui tal ‘oceis casá num sitio? vai ‘sê a coisa ‘mai linda do mundo! — Sugeriu o menino maior, com um sorriso fofo, exibindo os dentinhos da frente com uma fenda no meio, o cabelo longo e loiro levemente desgrenhado, sentado com as pernas cruzadas.
— Ninguém quer casar no meio do mato, brutamontes.. — Disse Xande, um garoto com cabelos longos e ondulados, da cor loira escura, usava sempre um boné e um moletom amarelo bem surrado e manchado de canetão preto, saboreando um pirulito de coração
— Ah é? ‘intão fala um ‘lugá ‘mió pra casar, skatista… — Disse Lírio, emburrado
— Tipo numa pista de skate! imagina, tocando Charlie Brown Jr no fundo do casamento, é estiloso pra caramba!
— Isso sim é ridículo, já ‘parô pra ‘pensá? ‘casá numa fazendinha é muito ‘mió!
Morato riu com a pequena discussão dos meninos, mas logo se endireitou.
— Parou vocês dois, só por causa disso não vai ser em nenhum dos dois..
ambos os meninos pareceram desapontados, e se viraram para seus respectivos melhores amigos, foi aí que Guizo, um garotinho de pele parda e os cabelos lisos e pretos, bem bagunçadinhos, entre Xande e Dara, levantou a mão para falar.
— E se for na Praia..? Normalmente é o mais comum pra quem não se casa na igreja, além das fotos ficarem muito lindas.
Morato sorriu com a sugestão do garotinho, se levantando, e olhando para todos eles, confiante.
— Decidido então, na praia! mas eu preciso de um favor de todos vocês.
As crianças olharam todas curiosas para o professor, que agora tinha um sorrisão no rosto.
. . .
Calisto estava vendado, em um carro, não fazia a menor ideia de onde estava indo, só sabia que Sofia havia o enfiado no carro dela e falou para não se preocupar. Para falar a verdade, ele não estava realmente preocupado, só muito curioso, já que acordou e não viu o agora noivo no seu lado, e logo às sete horas da manhã a irmã passou e o buscou, falou para ele se vestir formal, pois iria levá-lo numa festa mais tarde, e passou a tarde inteira na casa da irmã, e essa ida confirmou a suspeita de que na verdade a irmã estava em um trisal com o marido dela e o suposto padrinho de casamento, não que Calisto se importasse; enfim, mais pelo meio da tarde, ele foi mandado para o banho, e obrigado por Sofia a se vestir o mais chique possível, e foi jogado vendado ao carro junto da irmã, “é uma surpresa!” foi o que Sofia disse, e o ruivo não questionou, ficou ouvindo música no rádio do carro enquanto percorreu por uma boa hora. Quando Sofia finalmente parou o carro, e tirou o irmão de dentro, Calisto claramente ouviu o som de ondas, sentiu o sol tranquilo batendo no seu rosto, mas ainda privado de ver qualquer coisa, ele sabia que estava em uma praia, era impossível não ser, mas ele não imaginava o do porque, e, assim que a irmã saiu de perto dele, ele tirou a venda, e foi recebido com a visão mais linda do mundo. Eles estavam em uma praia mesmo, na luz do sol poente, que iluminava o arco branco, coberto de flores naquele espaço belo, um tapete de passarela vermelho, e alguns poucos bancos, neles sentados apenas a sua irmã e os amados dela, e ao redor do cenário, crianças corriam e brincavam em meio à areia, os alunos de Morato, que, por sinal, estava abaixo do arco, do lado de um púlpito vazio, vestindo também um terno, só que de cor vermelha, extremamente belo.
Os olhos de Calisto se encheram de lágrimas assim que ele percebeu o que aquilo significava, o ruivo foi caminhando com um grande sorriso no rosto, contendo o choro que logo viria, ele caminhou sutilmente com os pés firmes sobre aquele tapete, finalmente ficando de frente para o amado, quase nem percebendo que sua irmã saiu correndo de seu lugar para ocupar o púlpito vazio, se posicionando no meio deles.
— Caham. — Sofia limpou a garganta, e olhou para o total de sete pessoas, cinco delas crianças, naquela praia, observando o casório completamente improvisado, e começou a falar, finalmente. — Estamos todos reunidos aqui hoje para presenciar o casamento de meu irmãozinho, que eu tenho muito orgulho de estar aqui hoje servindo de cerimonialista para o casamento improvisado dele, e Morato, quem teve essa ideia maluca… mas incrível de fazer um casamento surpresa para meu maninho..
As crianças, que corriam na praia, logo se colocaram em fila no tapete, na frente, estando Dara, segurando um pequenino travesseiro. Alguns discursos foram proferidos, Sofia recitava alguns sentimentos pessoais, mas logo chamou a garotinha de cabelos lisos para se aproximar, e junto dela, os outros quatro caminharam, até a pequena oferecer aos noivos as alianças, e como eram lindas aquelas alianças… douradas e reluzentes, em seus interiores, gravados os nomes dos noivos.
O rapaz de cabelos ruivos, estes que reluziam da luz do sol remanescente, deixando a cor alaranjada mais bela ainda, já estava segurando com força às mãos do noivo. Sua cabeça se virou para olhar para a garotinha, e as alianças que ela levava, soltando um suspiro gentil.
— Calisto. — A voz grave do seu amado quebrou os devaneios do Besatt, que virou seu rosto de volta para Morato. — Eu queria fazer isso para você, pra te mostrar o quanto você significa para mim. Você é a pessoa mais incrível que eu já conheci na minha vida, é um homem lindo pra cacete! e.. — Ele logo alcançou aquela aliança, erguendo a mão esquerda de Calisto, e com sua outra, levantando o anel. — O que eu quero dizer, é que você é importante para mim, e que eu quero, nem que simbolicamente, estar atado contigo, para que eu sempre possa te proteger, e para que você sempre possa me proteger.
O Besatt se sentiu sem palavras, apenas ficou em um silêncio duro por alguns segundos, e seu corpo inteiro se contraiu com a emoção, apenas para que ele pulasse no peito do noivo, cessando suas palavras em um beijo recheado de paixão, um que quase fez o Vertaler cair, era quase mágica, ele se sentiu no céu, e aquele ruivo sabia o desconsertar. Calisto agarrava o rosto de seu homem com as suas duas mãos, acariciando suas bochechas, enquanto aqueles doces lábios tomavam os seus.
O abraço foi intenso, as duas partes lutavam para se manter o mais próximo possível do outro, mas, infelizmente, a falta de fôlego os obrigou a partir, deixando dois homens ofegantes, olhando profundamente na alma um do outro, até Calisto sorrir, e se pronunciar.
— Você é um idiota, é o meu idiota.. é óbvio que eu aceito… caramba, mas, precisava me vendar por uma hora para me fazer casar com você..? — Ele disse, com um sorriso brincalhão, com um de seus dedos, limpando o canto da boca de seu amado.
— Eu queria que fosse surpresa… a ideia foi dos meninos. — Morato se virou para seus garotos, dando uma piscadela ao grupo, e segurando novamente a mão do rapaz, finalmente colocando aquele anel em seu anelar, a aliança coube perfeitamente.
Calisto pegou, um pouco desconsertado também, a aliança que pertencia ao noivo, segurando sua mão, e o olhando novamente, se sentindo envergonhado, mas botando a aliança em seu agora oficial marido, levando sua mão à sua boca, e deixando um beijo sutil na aliança.
— Eu normalmente diria para se beijarem, mas, o apressadinho aqui já fez esse favor! — Sofia disse, se recostando por cima do púlpito.
Os dois se entreolharam por muito tempo, alguns poucos minutos que pareceram horas em suas visões, trocando discretas carícias, apenas apreciando aquele amor puro que batia em seus corações.
— Eu te amo tanto, Morato… você não faz ideia do quanto eu amo você, suas tranças, seu jeito, você é literalmente perfeito… perfeito, perfeito, perfeito! É inacreditável que você simplesmente improvisou um casamento na praia, só para nós..
— Ah, paixão, não fui só eu, eu tive uma ajudinha da sua irmã pra decorar isso tudo, e dos dois patetas alí pra ajudar a pagar tudo.
— Caham… — Dara chamou a atenção, olhando de jeito severo ao professor.
— Ah é, claro.. e os meninos além de darem a ideia.. ajudaram a decorar tudo, agradeça às minhas crianças.
O Besatt não resistiu, e teve que dar um outro beijo — dessa vez mais calmo — nos lábios do Vertaler, que, mesmo que tenha quase se desmanchado de novo, dessa vez tomou um pouco mais de coragem, e agarrou a cintura do esposo, o levantando em uma pose nupcial, começando a andar para fora do altar improvisado.
Calisto tomou um susto com aquela ação repentina, mas não reclamou de jeito nenhum, apenas manteve o beijo até onde ele pôde, literalmente se deixando levar pelo agora esposo.
. . .
O resto foi pacato, o casamento foi uma memória a se manter, mesmo com poucas pessoas tendo realmente presenciado aquele momento, quase tudo foi documentado na câmera de Guizo, gravado em um filme, que rendeu várias fotos que até hoje, ficam penduradas no quarto dos maridos, um alvo de exibição para todos que visitassem aquela casa que um dia foi tão cheia de ansiedade. Hoje, é uma história que os dois gostam de relembrar, mas que, acima de tudo foi aquilo que tirou todo o medo do coração dos dois, já que agora, seriam, para sempre, o farol um do outro