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Desde cedo, Beomgyu aprendeu a viver entre dois mundos: o que seus pais escolheram para ele — feito de planos, prestígio e hospitais — e o que ele sonhava em construir, feito de acordes, letras e sons que só ele parecia ouvir.
A música sempre fora de sua verdadeira casa. Desde pequeno, encontrei-me consolo nas notas suaves do piano e não dedilhei distraído de um violão gasto. A melodia era o idioma em que ele mais se entendia.
Mas na família Choi, a arte era vista como distração.
Seu pai, renomado neurocirurgião; sua mãe, cardiologista de prestígio; os irmãos, exemplos de excelência. E ele, o desvio. O filho que “não levava nada a sério”. O único que não via beleza no branco dos jalecos.
Quando Beomgyu confessou que queria estudar música, o olhar decepcionado do pai bastou para que ele engolisse o sonho.
E foi assim que acabou em medicina veterinária — um meio-termo que acalmava os pais, ainda que o afastasse de si mesmo.
No fim do segundo semestre, Beomgyu decidiu que precisava respirar. Sua família viajava para a Europa, mas ele queria silêncio, anonimato, espaço para existir.
Escolheu o Japão.
Tóquio era barulhenta e calma na mesma medida — uma mistura perfeita de caos e harmonia, exatamente o que ele precisava.
Quando chegou, o ar estava fresco e o céu começou a escurecer, salpicado pelas luzes da cidade. Sua primeira parada foi um pequeno restaurante escondido entre os arredores de Shibuya, o tipo de lugar que só se encontra por acaso.
O som das conversas baixas e o cheiro do shoyu o envolveram como uma lembrança distante.
E foi lá que o viu.
Um rapaz loiro, encostado à janela, com um livro entre as mãos e um olhar calmo demais para aquele mundo acelerado.
Soobin.
Havia algo que parecia fora do tempo — o tipo de pessoa que você notou antes mesmo de entender o porquê.
Os fios dourados do cabelo brilhavam sob a luz morna, e o canto dos lábios formava um sorriso quase imperceptível, daqueles que nascem sem motivo.
Beomgyu ficou olhando por tempo demais. Longos segundos que pareciam eternos.
E então, como se o destino se divertisse com a cena, Soobin gritou o olhar e o encarou de volta.
Sorriso pequeno.
Aceno sutil.
Coração disparado.
Beomgyu desviou o rosto rápido, envergonhado, fingindo mexer no celular. Mas o rubor já lhe foi entregue. Quando terminou a refeição, tentei escapar dali, até ouvir o primeiro trovão.
Chovia forte.
Claro, o destino não o deixaria ir embora assim.
Sob o toldo do restaurante, Beomgyu esperava que a chuva passasse quando uma voz calma se aproximasse dele.
— A chuva tá brava hoje, né? — Disse o rapaz, em perfeito coreano.
Beomgyu piscou, surpreso.
— Ah, sim... — murmurou. — E-eu... me desculpe por ter te encarado lá dentro.
Soobin riu.
— Então você admite. — Seu sorriso era quase provocante. — Tudo bem. Eu também te encarei.
O rubor de Beomgyu aumentou. Ele não sabia o que responder.
Soobin estendeu a mão.
— Choi Soobin. Moro aqui tem bastante tempo, mas sou coreano também.
— Choi Beomgyu — respondeu, apertando a mão dele. — Parece que temos mais em comum do que o sobrenome.
A chuva virou trilha sonora de uma conversa que simplesmente… aconteceu.
Sem esforço. Sem pressão.
Falaram de música, de sonhos, de como era sufocante ser quem os outros esperam que você seja.
Quando percebiam, o céu já havia clareado e o vento trazia o cheiro úmido da terra.
Antes de se despedirem, Soobin pegou o celular.
— Posso te adicionar? Seria um desperdício te conhecer só por uma chuva.
E foi assim — simples, como tudo que é verdadeiro.
Os dias seguintes foram um desdobramento de coincidências bonitas.
Beomgyu o reencontrou em uma loja de discotecas antigas, depois em uma cafeteria minúscula no centro da cidade.
Logo, não precisaram mais do acaso.
Marcaram encontros, exploraram Tóquio juntos, dividiram risadas e silêncios.
Beomgyu descobriu que Soobin era o tipo de pessoa que enxergava beleza nas coisas pequenas: o reflexo da lua nas poças, o som distante de um tremor, o gosto doce do chá de jasmim.
E Soobin, por sua vez, se encantou pela forma como Beomgyu falava da vida — como se cada frase fosse uma canção inacabada.
Em pouco tempo, tornaram-se inseparáveis.
Compartilhamos fones de ouvido, sorvetes e confidências.
Soobin o chamava de “Gyu”, e Beomgyu, de “Binnie”.
E quando andavam lado a lado pelas ruas cheias de Tóquio, as pessoas olhavam e sorriam, sem entender por que havia algo tão leve entre eles.
Beomgyu começou a perceber que amava estar ao lado dele da mesma forma que amava a música: de forma evidente.
Certa manhã, Soobin o levou a um parque escondido, cercado por cerejeiras fora da época. O vento soprava suave, o sol da manhã dançava entre as folhas, e havia algo no ar que parecia dizer que aquele instante deveria durar para sempre.
Sentados na grama, Soobin deitou a cabeça no ombro de Beomgyu.
— Sabe o que é engraçado? — começou. — Eu sinto como se você já conhecesse há muito tempo.
— Eu também — respondeu Gyu, com a voz baixa. — Como se em outra vida a gente tivesse se encontrado e prometido se achar de novo.
Soobin sorriu contra o ombro dele.
— Então acho que cumprimos a promessa.
Por um tempo, ficaram em silêncio. Só o som dos pássaros e o coração deles batendo em descompasso.
Beomgyu virou o rosto devagar e olhou.
Os olhos de Soobin davam todas as respostas que ele sempre procurou.
E antes que eu pudesse pensar, o mundo se dissolveu em um beijo.
Foi suave.
Terno.
Real.
Um beijo que dizia “encontrei você”, e também “não quero te perder”.
Os dias seguintes foram quase mágicos.
Beomgyu aprendeu que o amor não precisa ser grandioso — às vezes ele está nos gestos simples: no café que Soobin fazia todas as manhãs, no jeito desajeitado como o outro tentava cantar em coreano, nas risadas abafadas quando trocavam olhares.
E quanto mais o tempo passava, mais doía saber que ele estava prestes a acabar.
Na véspera da viagem, Soobin ajudou a arrumar as malas. O quarto estava uma bagunça — roupas jogadas, risadas misturadas à tristeza que ninguém queria admitir.
Então Soobin se moveu e tirou do bolso uma pequena caixinha preta com detalhes prateados.
— É uma tradição da minha família — disse, olhando nos olhos dele. — A gente dá algo importante para alguém importante. Só... promete que vai abrir quando o avião decolar.
Beomgyu assentiu, tentando não chorar.
— Prometo.
O abraço que veio depois parecia não ter fim.
No aeroporto, o mundo inteiro parecia girar depressa demais.
Beomgyu queria parar o tempo.
Queria dizer mil coisas, mas não parecia suficiente.
Então apenas segurou as mãos de Soobin.
— Eu não quero ir embora. — sussurrou.
— Eu sei — respondeu o outro, com um sorriso triste. — Mas você precisa. Vai fazer o mundo te ouvir, lembra?
Soobin abriu levemente suas bochechas.
— Não se esqueça da caixinha, Gyu.
E o beijo de despedida foi rápido, mas carregado de tudo o que não coube em palavras.
Quando o avião finalmente decolou, Beomgyu se forçou a abrir uma caixinha.
Dentro, um colar com um pingente simples e um papel dobrado.
As mãos tremiam.
O coração também.
"Gyu,
Se você está lendo isso, significa que já estou longe. Eu queria que as coisas fossem diferentes, mas a verdade é que eu tenho medo. Minha vida não é uma das melhores, tenho vivido a vida de meus pais desde que cheguei da Coréia, há muito tempo desde que algum dia eu tenha vivido por mim, foi por isso que recusei sua ajuda, eu já não sei viver de outra forma, eles precisam de mim.
Apesar disso...a existência de outras vidas é incerta, mas a conexão genuína entre nós me faz acreditar que nascemos destinados um ao outro. você me completa e meu mundo se tornou mais colorido desde a sua chegada. Talvez tenhamos mesmo nascido um para o outro, mas apesar disso vivemos em um mundo cruel. Você não pode abrir mão de sua vida, você tem um futuro brilhante pela frente, e eu...preciso me contentar com o que posso fazer. Eu não tenho sonhos e nem uma projeção de vida como você, e é por isso que não posso te prender a alguém como eu.
Por favor, não me procure. Você merece alguém que possa se entregar de corpo e alma, e eu não sou essa pessoa agora. Eu desejo que você se lembre com ternura sobre o que vivemos, que saiba que nunca te esquecerei. Lembre-se de mim com carinho, mas siga em frente, torne-se um músico excepcional, eu sei que é isso que você quer. Não viva em função dos outros, saiba que eu sempre irei te apoiar, independente de onde quer que eu esteja.
Eu me despeço aqui, não tente me ligar e não me mande mensagens. Somente me tenha em suas memórias.
Com carinho, Choi Soobin."
Beomgyu deixou uma carta cair sobre o colo e olhou pela janela. O céu estava tingido de um azul melancólico, e o reflexo do seu rosto se misturava às nuvens.
Um sorriso trêmulo escapou.
Não era o fim.
Era uma pausa.
E talvez, em alguma parte do tempo, as notas de sua música voltassem a encontrar o som do riso de Soobin.
Porque certos encontros não terminam — apenas esperam o momento certo para recomeçar.