Chapter Text
(Trecho do capítulo 79 de ACOSF: dois dias após o nascimento de Nyx — uma suíte na Cidade Entalhada.)
CASSIAN
Eris prosseguiu:
"Sempre misture verdade e mentira, General. Aqueles brutamontes guerreiros não lhe ensinaram como resistir à tortura do inimigo?"
Cassian sabia. Ele havia sido torturado e interrogado, e jamais se quebrou.
"Beron te torturou?"
Eris se levantou, guardando o livro debaixo do braço.
"Quem se importa com o que meu pai faz comigo? Ele acreditou na minha história sobre os espiões do encantador de sombras terem informado a ele que um bem valioso tinha sido sequestrado por Briallyn, e que vocês tinham ficado enojados ao chegar e descobrir que tinha sido eu, em vez de alguém das Cortes Estival ou Invernal ou quem quer que se rebaixe para se unir a vocês."
Cassian analisou cada palavra. Beron torturara o próprio filho para obter informações, em vez de agradecer à Mãe por tê-lo devolvido. Mas Eris resistiu. Deu a Beron mais uma mentira.
E depois havia a maneira como Eris falara sobre as outras cortes. Algo estava estranho em suas palavras, em sua expressão tensa. Será que o macho estava com ciúmes?
Cassian abriu a boca, mais do que pronto para lançar aquela pergunta e desferir um golpe certeiro.
No entanto, ele hesitou. Olhou nos olhos de Eris.
O macho fora criado com todo luxo e privilégio — em teoria. Mas quem conhecia os terrores que Beron tinha infligido a ele? Cassian sabia que Beron tinha assassinado a amada de Lucien. Se o Grão-Senhor da Outonal fez uma coisa como aquela, o que não faria?
"Tire essa cara de pena do seu rosto", rosnou Eris suavemente. "Eu sei que tipo de criatura meu pai é. Não preciso da sua compaixão."
Cassian o observou novamente.
"Por que você deixou Mor na floresta naquele dia?" Era a pergunta que sempre permaneceria. "Foi apenas para impressionar seu pai?"
Eris soltou uma risada rouca, áspera e vazia.
"Por que isso ainda importa tanto para todos vocês?"
“Porque ela é minha irmã e eu a amo.”
"Eu não sabia que os ilírios tinham o hábito de foder suas irmãs."
Cassian rosnou.
"Ainda importa", disse ele com a voz rouca, "porque não faz sentido. Você sabe que monstro seu pai é e quer usurpar o seu lugar; você age contra ele no melhor interesse não só da Corte Outonal, mas também de todas as terras feéricas; você arrisca a sua vida para se aliar a nós... e mesmo assim a deixou na floresta. Foi a culpa que motivou tudo isso? Porque você a deixou sofrer e morrer?"
Uma chama dourada fervilhava no olhar de Eris.
"Não imaginava que enfrentaria outro interrogatório tão cedo."
“Me dê uma resposta, droga.”
Eris cruzou os braços e fez uma careta. Como se quaisquer ferimentos escondidos sob suas roupas imaculadas doessem.
"Você não é a pessoa para quem eu quero dar explicações."
“Duvido que Mor queira ouvir.”
“Talvez não.” Eris se remexeu e fez uma careta novamente. “Mas você e os seus têm coisas mais importantes com que se preocupar do que história antiga. Meu pai está furioso com a morte de seu aliado, mas não se deixou abalar. Koschei continua em jogo, e Beron pode muito bem ser tolo o suficiente para formar uma aliança com ele também. Espero que o que quer que Morrigan esteja fazendo em Vallahan neutralize o estrago que meu pai causará.”
Cassian já tinha ouvido o suficiente. Queria voltar para casa — para a Casa, para Nestha. Sua companheira feroz e bela, que salvara seu Grão-Senhor e Senhora e o filho deles. Ele jamais deixaria de admirá-la, e tudo o que ela fizera. O quão longe ela chegara.
E um dia, quando chegasse a hora certa… eles dariam os próximos passos. Eles trilhariam juntos qualquer caminho que se apresentasse à frente deles.
Então Cassian caminhou furtivamente em direção à porta, rumo à vida que o aguardava em Velaris.
Eris ainda era aliado deles. Estava disposto a ser torturado para guardar seus segredos. E Cassian não precisava ser um cortesão para saber que suas próximas palavras seriam certeiras, mas seria uma ferida necessária. Talvez fosse o suficiente para impulsionar as coisas na direção certa.
“Sabe, Eris”, disse ele, levando a mão à maçaneta. “Acho que você pode ser um macho decente, no fundo, preso em uma situação terrível.” Ele olhou por cima do ombro e encontrou o olhar de Eris brilhando novamente. Mas apenas pena surgiu em seu peito, pena por um macho que nascera em berço de ouro, mas que fora destituído em todos os sentidos que realmente importavam. Em todos os sentidos em que Cassian fora abençoado — bênçãos que agora transbordavam.
Então Cassian disse: “Cresci rodeado de monstros. Passei a minha vida lutando contra eles. E vejo você, Eris. Você não é um deles. Nem de longe. Acho que você pode até ser um macho bom.” Cassian abriu a porta, desviando o olhar do lábio curvado de Eris. “Você é simplesmente covarde demais para agir como um.”
[Fim do capítulo 79.]
ERIS
Assim que a porta se fechou atrás do general illyriano, seu semblante relaxou com um suspiro de alívio dolorido e ele se acomodou com cuidado em uma poltrona perto da lareira.
“Não um monstro.”
"Pode ser um macho bom."
"Covarde demais para agir como um."
As últimas palavras de Cassian ecoavam ao seu redor como moscas incessantes em um campo de batalha.
“Esse maldito bruto Illyriano tinha que ser coerente pelo menos uma vez”, resmungou Eris baixinho. Ele não gostava da maneira como aquelas frases tentavam penetrar sob sua pele — tentavam preencher algumas fraturas antigas em algum lugar.
“Calma, Vanserra. Você nunca sabe quando um ‘bruto Illyriano’ pode acidentalmente ouvir você.”
Pelo amor de Deus... Eris revirou os olhos.
“Rhysand sabe que seus cães estão vagando soltos?” Ele manteve a voz entediada e os olhos fixos na lareira crepitando suavemente.
“Achei que você gostasse de cães”, cantarolou o mestre-espião, raspando propositalmente a sola da bota ao se aproximar.
Eris zombou.
“Certamente você consegue diferenciar um cão de raça pura de um vira-lata? Já que você é um vira-lata, imaginei que seria óbvio... que pena."
Azriel bufou baixinho, sentando-se na poltrona ao lado da de Eris, com as asas bem recolhidas.
"Você sempre desconta nos outros quando está com dor?", perguntou ele.
“Você sempre fala tanto assim? Normalmente, você mal pode formar uma frase.” Eris imitou a entonação do macho quando ele finalmente se desviou da lareira para olhar para o seu novo visitante. Ele só percebeu o seu erro quando já era tarde demais, quando o canto esquerdo da boca do encantador de sombras já estava se curvando para cima.
Eris suspirou. Passara séculos suficiente convivendo com o mestre espião de Rhysand para saber que o macho, infelizmente, era muito competente em seu trabalho. Relaxara demais por um instante — um erro estúpido que atribuiu aos cuidados de seu pai. E se havia uma coisa que Eris sabia com certeza neste mundo, era que erros têm consequências. Ele carregava essa frase dolorosamente perto do peito.
"Pode dizer ao seu Grão-Senhor que estou perfeitamente bem. Enviar alguém para verificar como estou foi desnecessário", disse Eris, arrastando as palavras.
“Na verdade, ele me enviou para transmitir a mensagem de que teria vindo agradecer pessoalmente pela sua lealdade, mas está ocupado com assuntos mais importantes.” Azriel respondeu com um tom monótono.
“A mestiça finalmente teve um filhote? Que… encantador.” Eris fez questão de que a condescendência escorresse de seus lábios.
Como ele esperava, em menos de um instante, o encantador de sombras havia deixado a poltrona e estava curvado sobre a sua; uma famosa lâmina negra pressionada contra a pele delicada de sua garganta.
"Cuidado, Vanserra. Ou você se esqueceu do que aconteceu da última vez que insultou um membro da minha corte?" O illyriano mostrou os dentes enquanto rosnava baixo e ameaçador.
Uma besta que se mantém fiel à sua forma mais primitiva. Eris sentiu-se tentado a rir.
Lamentavelmente, ele não havia esquecido o que ocorrera na reunião da Corte Diurna antes da guerra. Não conseguira esquecer as ondas de poder inebriantes que emanavam do encantador de sombras ao ultrapassar as proteções criadas para suprimir os mais poderosos Grãos Feéricos de Prythian; não conseguira esquecer como aquelas mãos marcadas sabiam exatamente onde pressionar para fazer sua visão escurecer sem levá-lo à inconsciência.
O herdeiro da Outonal deu de ombros, consciente de como o movimento calculado sacudiu a Reveladora da Verdade o suficiente para derramar uma única gota de sangue.
Eris se orgulhava de sua perspicácia e capacidade de prever as ações dos outros. Mas nem mesmo ele poderia ter previsto o curso de ação do mestre espião.
Olhos verde-acastanhados e bronzeados se estreitaram sobre aquela gota carmesim — olhos cheios de raiva ardente. Então Azriel sorriu. Ele sorriu, levantou a lâmina para colocá-la logo abaixo do queixo de Eris e inclinou a cabeça.
A língua do encantador de sombras era áspera e quente contra sua pele, contra o frio geral que permeava essa cidade amaldiçoada. Eris acidentalmente inspirou uma lufada do perfume do illyriano, como cedro envolto em névoa com um toque de canela. Ele permaneceu perfeitamente imóvel enquanto Azriel se afastava para olhar nos seus olhos. Então o macho lambeu os lábios, fingindo saborear o gosto do sangue de Eris, e desapareceu em uma nuvem de escuridão.
Eris piscou.
Duas vezes.
Um pedaço de lenha estalou com força na lareira.
Eris levantou-se da poltrona, alisando as mangas verde-escuras do casaco. Ele saiu da sala; já estivera ali tantas vezes que não precisava de escolta para encontrar o ponto de peneiração. Como era de se esperar, Eris atravessou os corredores cavernosos e entrou no terreno baldio de mansões esculpidas em pedra sem parar.
Finalmente, quando estava parado em uma poça de luz solar salpicada de folhas, cercado por uma brisa fresca que cheirava a folhas secas e maçãs, Eris se permitiu rir.
O pobre bruto acreditava que isso o tiraria do sério? Claramente, o mestre espião não sabia tanto quanto pensava que sabia. Isso deveria intimidá-lo?
Outra gargalhada incrédula ecoou pelos troncos esguios do bosque de bétulas. Eris parou um instante para ajeitar sua ereção na calça e partiu em direção à Casa da Floresta a passos largos. Seus cães o alcançaram após um assobio rápido.
Apesar da frase marcada em suas costelas, com um feitiço que levaria semanas para cicatrizar, e da assadura que atingia sua camisa, Eris sorriu enquanto o mundo se tornava um borrão de casca branca, folhas douradas e pelos cinzentos e sedosos. Ao se aproximar do perímetro da patrulha, ele empurrou a dor para os cantos mais remotos de sua mente, onde havia banido as palavras de despedida de Cassian, e controlou sua expressão para que se tornasse neutra. Mas ainda se sentia mais leve do que há muito tempo.
Não havia nada que Eris Vanserra gostasse mais do que ser subestimado. O ataque mais vantajoso era aquele que ninguém previa. Surpresa.
SETE MESES DEPOIS
AZRIEL
Ele acolheu a escuridão da lua nova, que envolvia sua cama em sombras e um tênue brilho estelar. Azriel não conseguia dormir, mas isso não era incomum. Normalmente, ele tentava trabalhar em vez de ficar deitado, mas suas sombras estavam inquietas a noite toda, o que significava que ele também estava inquieto e incapaz de se concentrar em qualquer tarefa. Prythian vinha passando por uma sequência de meses monótonos e Azriel não gostava disso, não confiava nisso nem por um instante. E agora, com suas sombras tão agitadas... porra, ele estava prestes a ranger os dentes.
Com um suspiro de exasperação, Azriel jogou as pernas para fora da cama e se levantou. Ele ainda vestia a parte de baixo de sua calça de couro, uma camisa simples e meias. Calçou as botas que estavam perto da porta, mas em vez de girar a maçaneta, Azriel caminhou até a porta da varanda. Ela se abriu silenciosamente e Azriel abriu bem as asas, movendo o pescoço de um lado para o outro e saboreando a queimação dos músculos tensos.
A sensação do ar empurrando e preenchendo suas asas enquanto ele se lançava em direção às estrelas cintilantes jamais perderia o encanto. Voar era liberdade; era uma dádiva, e ele sempre encontrara consolo nos céus. Mesmo quando ainda não podia tocá-los. Suas sombras, geralmente confinadas à parte inferior de suas asas durante o voo, se enroscavam em seu pescoço e ombros. Pareciam pressentir a alegria que ele sentia, e isso as acalmava. Por um breve instante.
Ele bateu as asas com força, subindo cada vez mais alto até que o ar estivesse frio o suficiente para aliviar sua pele quente demais. Os dedos suaves do vento noturno acariciaram seus cabelos e dançaram sobre suas asas. O suspiro de Azriel foi abafado pelas correntes de ar que passavam por seus ouvidos.
Vá. Ajude ele. Vá. As sombras sussurraram com urgência após um breve momento de silêncio reconfortante.
Aqueles pirralhos vagos estavam repetindo a mesma coisa a noite toda, enquanto se recusavam a dizer quem era. Azriel enviou sombras para verificar Rhys, Cass e Nyx — eles eram os únicos três ‘eles’ com quem Azriel se importava.
Ele estava se aproximando do mar, então Azriel fez uma curva e começou a voltar em direção às luzes cintilantes de Velaris, seguindo a Sidra, que brilhava fracamente.
“Az—sala de guerra. Agora.” A voz de Rhys em sua cabeça o fez estremecer. Sumiu tão repentinamente quanto apareceu.
A adrenalina percorria suas veias. Seu coração batia forte contra o esterno. Azriel sabia que era apenas uma questão de tempo. Ele se escondeu nas sombras, recolhendo as asas com força ao entrar no cômodo iluminado da casa à beira do rio e piscando enquanto seus olhos se ajustavam rapidamente.
Lucien caminhava de um lado para o outro ao longo da parede. Faíscas crepitavam entre os dedos do macho, embora ele parecesse não notar que estava liberando magia. O maxilar de Rhys estava cerrado, o cabelo despenteado e a camisa mal abotoada — como se ele tivesse saído direto da cama.
"O que aconteceu?" perguntou Azriel, olhando para os dois homens.
Estávamos tentando avisá-lo. As sombras sibilaram.
Rhys acenou com a cabeça para um pequeno pedaço de papel que estava sobre a grande mesa circular no centro da sala. Azriel aproximou-se e leu o que estava escrito:
“Kil está tramando um golpe. Tirem a mãe daqui, eu ganho tempo. Fogos de artifício azuis.” Ele fez uma pausa. “Essa é a letra de Eris.”
“Rhysa—” Lucien rosnou.
O Grão-Senhor da Corte Noturna dirigiu-se a Azriel, ignorando os protestos do emissário.
"Você irá com Lucien à Corte Outonal para resgatar a mãe dele. Suas sombras podem ultrapassar as proteções."
Azriel já havia chegado a essa conclusão. Ele não tinha certeza do porquê, mas as próximas palavras escaparam sem que ele as tivesse pedido.
"E quanto a Eris?"
Rhys ergueu uma sobrancelha ao mesmo tempo em que outro rosnado ressoou no peito de Lucien.
"Não me importo com Eris — precisamos chegar até minha mãe. Kil — Killian — ele é imprevisível. Não temos tempo a perder."
Azriel compreendia muito bem o desespero do macho, mas reprimiu as lembranças e as emoções. Precisava de clareza mental.
“Seu objetivo é manter Lucien vivo e ajudá-lo a salvar sua mãe. Essa é a minha única ordem.” Azriel sentiu o poder estelar nas palavras de seu irmão. Ele acrescentou. “Ninguém fora do círculo íntimo está ciente de nossa aliança com Eris Vanserra.”
"Muito bem. Mostre para onde estou indo", disse Azriel a Lucien. Rhys transmitiu a imagem mental de uma suíte opulenta da mente do macho da Outonal para a sua.
Ele tocou os dois sifões no dorso das mãos, invocando sua armadura completa. Em seguida, colocou a mão enluvada no ombro do emissário e a escuridão os envolveu.
A voz de Rhys falou em sua mente.
"A escolha é sua, Az. Sim, temos uma aliança, mas quebrá-la não nos prejudicará — você sabe disso. Caso Eris assuma o trono, nosso acordo permanecerá válido e você terá que supervisionar a transição de poder para garantir que a Outonal não se torne um problema para nós."
Azriel se lembrou. Eles haviam discutido isso na época em que o acordo foi firmado. Embora Azriel geralmente trabalhasse nas sombras, ele era tão versado em política da corte quanto Mor. Precisava ser, dada a sua profissão. Não era como se pudessem enviar Mor para a Outonal de qualquer maneira, e agora ela estava ocupada em Vallahan. Seria ele.
“Se você chegar lá e decidir que é melhor para nós romper os laços com a Outonal, terá minha bênção para fazê-lo.”
A presença do Grão-Senhor se dissipou de sua mente pouco antes de ele e Lucien emergirem das sombras para o canto de uma suíte elegante, porém pouco mobiliada. Havia uma mulher sentada em uma cadeira, olhando pela janela para o céu cinza-escuro do amanhecer. Seus cabelos, opacos e sem vida, caíam sobre o encosto da cadeira, mas tinham o mesmo tom de ruivo que os do macho ao seu lado.
As sombras indicavam que eles estavam sozinhos no quarto, mas havia um grupo de homens armados se dirigindo para a suíte.
"Depressa", sussurrou Azriel para Lucien, sem querer assustar a Senhora da Corte Outonal.
"Mãe?" Lucien manteve a voz baixa e suave.
Serafina Vanserra virou-se lentamente na cadeira na direção da voz de Lucien, com a cabeça inclinada em curiosidade. O coração de Azriel apertou quando ele viu os hematomas desaparecendo no rosto dela, os olhos incrédulos que percorriam seu filho mais novo, parado entre eles.
São soldados monteseranos, uma dúzia. Chegarão em dois minutos. As sombras que ele enviou como exploradores o informaram.
“Não temos tempo, Vanserra.” Azriel manteve a voz o mais gentil possível, apesar das palavras urgentes.
"Lucien?" Serafina pronunciou seu nome lentamente, incrédula. Azriel ouviu a inspiração profunda do macho.
“Sou eu. Vim te levar para um lugar seguro, Mãe. Me desculpe pela demora.” A voz de Lucien estava carregada de emoção, e Azriel fingiu não ouvi-la.
Era dolorosamente familiar — a figura esquelética da Senhora Outonal, a desconfiança em seus olhos mesmo enquanto segurava a mão do filho. A manopla de Azriel rangeu quando ele flexionou a própria mão antes de fechar os dedos em um punho.
Quando Serafina finalmente o viu parado ali, Azriel pensou que ela fosse desmaiar. O terror eclipsou tudo em seu olhar e ela começou a tremer. Ele se sentiu mal, ele jamais a machucaria. Mas não ficou surpreso. A última vez que ela o vira, suas mãos estavam em volta do pescoço de Eris.
"Ele é um amigo, mãe." Lucien tentou tranquilizá-la, mas Azriel sabia que ela não estava ouvindo o filho. Seus olhos âmbar tinham aquele olhar de quem está em algum lugar distante do presente.
"Você consegue tirá-la daqui sozinho?", perguntou ele a Lucien. A última coisa que ele queria era submeter aquela mulher a mais traumas. E, pelo jeito, andar nas sombras com ele certamente se enquadraria nessa categoria. Seu estômago embrulhou, mas ele continuou falando. "Acha que consegue romper as proteções como fez em Hybern?"
Lucien olhou para ele com curiosidade por um instante.
"Posso tentar", disse o macho que ainda não sabia que a fenda mágica estava em seu nome. Então, uma expressão de concentração tomou conta dele, e Azriel sentiu a magia saturar o ar.
Você tem um minuto, murmuraram as sombras.
Elas se esconderam atrás de suas asas enquanto um clarão ofuscante de luz branca emanava de Lucien e um som como o mais forte trovão sacudia o chão de pedra.
Num piscar de olhos, Lucien e sua mãe desapareceram e Azriel observou o mundo além da janela iluminar-se de azul enquanto fogos de artifício de cobalto preenchiam o céu.
Depressa, Encantador! Ajude ele! As sombras começaram a puxar suas roupas com uma urgência renovada quando ele ouviu passos entrando no corredor além da suíte.
Ele ouviu gritos e o choque de lâminas. Devem ter se deparado com um grupo de guardas, deduziu. Bom saber que alguns ainda são leais à sua corte.
Por que havia tropas monteseranas em Prythian... ele se preocuparia com isso mais tarde.
As legiões de Montesere eram conhecidas por sua arma singular: a glaive dupla. Cada soldado monteserano carregava uma dessas armas de haste de lâmina dupla presa à coluna. As técnicas de combate illyrianas privilegiavam espadas para o combate corpo a corpo e arcos e lanças para longas distâncias. Bastões eram as únicas armas de haste utilizadas, e isso apenas para ensinar equilíbrio e coordenação aos jovens aprendizes. Um sorriso se espalhou pelo rosto de Azriel ao ouvir o som de uma luta se aproximando — isso poderia ser divertido. Fazia tempo que ele não se sentia desafiado.
Deixando a Reveladora da Verdade embainhada na coxa, Azriel desembainhou duas espadas curtas illyrianas das bainhas cruzadas entre as articulações de suas asas. Enquanto o som metálico raspando ecoava pelo quarto vazio, uma sensação o invadiu — como se aquele momento fosse uma pedra pesada atirada na água, alterando o curso da correnteza.
Ele correu em direção ao cheiro crescente de sangue e fumaça, mas parou diante da porta, lembrando-se das palavras de Rhys. Será que ele queria ajudar Eris a se tornar o Grão-Senhor?
Por mais de quinhentos anos, Azriel imaginara frequentemente as muitas maneiras pelas quais gostaria de matar o lorde da Outonal pelo que ele fizera a Mor. Depois de tanto tempo, odiar Eris Vanserra tornara-se algo natural, instintivo. Mas quando Azriel levou dois instantes para alcançar esse ódio, para agarrá-lo e deixá-lo alimentar essa decisão, havia apenas uma brasa quase acesa onde antes ardia um inferno.
"Que se foda", murmurou para si mesmo. Seria mais fácil lidar com Eris no trono do que com um de seus outros irmãos. Pelo menos ele conhecia os motivos de Eris. Azriel saiu do quarto e chutou a porta principal da suíte com tanta força que a madeira estalou. Girou as lâminas nas mãos, pressentindo a batalha no ar e sorrindo enquanto corria para o meio da luta.
