Actions

Work Header

Corações em Chamas

Chapter 23: CAPÍTULO 23

Chapter Text

Apesar da felicidade que Carol e Therese estavam tendo naquele primeiro ano, os momentos mais difíceis eram as visitas de Rindy. Harge nem poderia sonhar que Carol estava vivendo com a jovem como amantes, pois ela poderia até mesmo perder as visitas a cada 15 dias. Então, quando chegava os dias para Rindy ir vê-la, Therese ia passar o fim de semana em um hotel. Aquilo acabava com Carol e ela nunca estava 100% completa na presença de sua filha. A menina vinha acompanhada de sua babá, uma alemã que deveria ter uns cem anos, pois ela já tinha sido a babá de Harge. Carol a odiava e a mulher a odiava na mesma quantidade, anotando tudo e nunca deixando Rindy e a mãe ficarem totalmente sozinhas e a vontade. Parecia uma sombra pairando no encontro delas. Carol não ficava só em casa com a filha, sempre a levava para passear e duas vezes Abby veio ver a afilhada. Abby era grossa de propósito com a babá e fazia questão de levar a criança no colo e enchê-la de beijos, mesmo com a carranca da mulher velha. Carol tinha certeza de que ela relatava tudo para Harge, que sempre ligava reclamando da presença de Abby. Carol e Therese sempre se apreciavam muito mais toda vez que ela tinha que sair como uma ladra para ficar escondida em outro lugar e na volta, quando Rindy ia embora, Therese ficava ao lado de sua parceira, que sempre passava aquele dia em depressão por causa daquela situação toda. Carol continuava a ir à psicóloga e aquilo a ajudava um pouco mais para atravessar aquilo tudo.

               Numa das visitas de Rindy, quando Carol a levou ao zoológico, a menina apontou:

               “Mamãe, olha, é a tia Tess.”

               Carol olhou com os olhos arregalados a aproximação de Therese.

               “Oi, Rindy.”

               “Tia Tess!”

               A menina correu para abraçar a morena. Carol adorou aquela surpresa, porém foi obrigada a apresentar Therese para a babá.

               “Essa é Therese, uma amiga minha.”

               Therese fez um aceno com a cabeça para a mulher que a ficou encarando.

               “Eu estava aqui e vi que era vocês, resolvi dar um alô”, ela disse mentindo na cara dura.

               Carol ficou surpresa com a coragem de sua amada, mas foi muito bom. Rindy adorou rever Therese e contou todas as novidades para ela. Elas passaram o dia juntas no zoológico se divertindo na medida do possível perto da sombra. Therese deu um leãozinho de pelúcia para Rindy como presente, ao se despedir.

               “Tia Tess, por que você não vem com a gente? Tem muito espaço na casa da mamãe.”

               “Eu sei, meu amor. Mas não posso ficar, preciso ir embora. Peça para a mamãe me avisar quando você vem, aí eu venho te ver, tá bom?”

               “Tá, mas não demora, não.”

               Therese ficou emocionada com o pedido da criança. Elas se despediram e Therese apertou a mão de Carol antes de ir.

               “Obrigada”, Carol disse.

               “A gente se fala.”

               Quando a Rindy embarcou de volta para Denver e Carol voltou para casa, Therese a esperava com os braços abertos. Carol se jogou em seus braços chorando:

               “Eu não aguento mais, Therese! É a minha filhinha.”

               Therese só pôde consolá-la.

 

*

               Uma das coisas que Therese estava gostando ultimamente era ouvir os discos de Elvis Presley. Ela e Carol sempre estavam com o toca discos ligado em casa, no entanto elas ouviam muito mais jazz e música clássica. Carol apenas tolerava o rock and roll por causa de Therese.  A mais jovem sempre estava antenada com o ritmo novo e uma vez até trouxe alguns amigos do curso para ouvir os discos na sala. Carol achava ótimo a interação dela com pessoas da idade dela, mas naquele dia específico, ela não saiu do seu quarto.

               Therese mostrou a música “I want you, I need you, I love you” para Carol que concordou que era uma música bonita que podia refletir o amor delas. Quando foi lançada a música “Love me tender”, Therese não parava de escutar e sempre cantava seus versos para Carol. Elas viram a apresentação do cantor na tv, com Therese sentada com as pernas cruzadas em frente ao aparelho e Carol na poltrona, descalça com meias e um tailleur.

               “Ei, ele é bonito mesmo”, Carol admitiu.

               “Sim. E é muito talentoso, acho que é isso é o que importa.”

               “E rebelde, olha esses movimentos. Nunca vi alguém fazendo isso na tv, só nas boates dos negros.”

               “As pessoas achavam que ele era negro.”

               Carol ficou surpresa. Quando Elvis cantou “Love me tender”, Therese encostou a cabeça no colo de Carol.

               “Anjo, você me trocaria pelo Elvis?”

               Therese olhou para Carol com o cenho franzido.

               “De onde você tira essas ideias?”

               “Bom, ele é lindo, canta bem, é rico, famoso.”

               “Você não canta, mas todas as outras qualidades você tem”, Therese replicou. Fez uma pausa e disse. “E ainda tem mais uma.”

               Therese apertou a mão de Carol.

               “Você me ama.”

               Carol riu e deu um beijo nos lábios de Therese.

               “Tenha certeza disso, srta. Belivet.”

               Elas foram à premiere do filme “Love me tender” no final do ano e quando elas estavam voltando para casa, Carol revelou:

               “Tenho uma novidade para você, acho que vai gostar. Fred arranjou um contrato para mim na Paramount e no começo do ano que vem, eu começo a fazer um filme.” Carol se virou para a mais jovem que prestava atenção. “Com Elvis Presley.”

               “O quê? Carol? É sério?”

               Carol riu e colocou uma mão no braço de Therese.

               “Sim, Anjo. Fiz por você. Sei que gostaria de conhecê-lo e vai ser a sua chance.”

               Carol explicou que faria o papel de uma mulher mais velha que vai ser a empresária do cantor e lhe dá bons conselhos. Ela achava que até teria uma cena de beijo com o astro. Therese gostou de tudo, menos da parte do beijo. Ela tinha um ciúme bobo e não conseguia ver Carol beijando outros atores, mesmo sabendo que era algo estritamente profissional. As filmagens começaram no final de janeiro e Therese visitou o set várias vezes e realizou o sonho de várias moças do mundo: conheceu Elvis de perto. Ele era o homem mais gentil que ela tinha visto, sempre chamando todos de senhor e senhora. O cantor era muito respeitoso com Carol e gostava de receber dicas de atuação. Elas tiraram uma foto com ele, com Carol com as roupas do filme junto dele e Therese sentada na cadeira escrita Elvis Presley olhando os dois. Therese estava elegante, de salto alto, um conjunto de saia e casaco branco e chapéu. Aquela foto ficou sempre na estante da casa delas.

 

*

               A casa onde Carol vivia em Beverly Hills, foi comprada por ela e Harge e foi ela quem a escolheu. Mesmo sendo a casa onde ela criou sua filha nos 5 primeiros anos, ela não tinha uma afeição pelo lugar. Agora que Therese vivia ali também, aquele lugar não parecia ser o certo para as duas. A casa que Dean Martin apresentou para ela em Palm Springs, nunca saiu de sua mente. A jovem adorava Palm Springs, mesmo sendo considerada um lugar para pessoas mais velhas, muito pacato. Therese gostava daquele silêncio e volta e meia elas estavam indo para lá. Tirando a situação com Rindy, a vida das duas estava sendo muito feliz, um casamento não oficial que estava dando muito certo, com muita paixão e companheirismo. O ano de 1956 foi ótimo profissionalmente para Therese que começou a estabelecer um nome para si, como uma fotógrafa talentosa por causa de seus retratos para estrelas e então, quando Carol estava filmando o filme com o Elvis, já em 1957, Therese recebeu um convite para ser free lancer numa revista mais renomada. Ela teria encomendas apenas para dias específicos, ela não precisaria trabalhar todos os dias e ela acabou fazendo um acordo com Bill para ir apenas em sessões em que precisariam do seu trabalho. Para comemorar a conquista, ela e Carol fizeram um jantar romântico em dos restaurantes mais exclusivos da cidade. Relegadas as demonstrações de carinho confinadas por força dos preconceitos da sociedade, passar um tempo juntas, trocando olhares e dez vez quando tocando os dedos ou os pés por debaixo da mesa, já fazia com que elas sentissem pelo menos um pouco de liberdade. Foi nesse dia, olhando para os olhos verdes que a encantavam, que Carol decidiu que elas precisavam ter um lar só delas.

               Terminadas as filmagens do filme com Elvis, Carol e Therese viajaram no sábado de manhã para Palm Springs, como sempre com Orlando acompanhando. Pela primeira vez, Therese dirigiu boa parte do caminho, o que a deixou muito contente consigo mesma. Quando na cidade, costumavam ficar em uma pousada e já tinham feito amizade com várias pessoas. No quarto, Carol se deitou um pouco para descansar da viagem e Therese ficou tirando fotos dela.

               “Você não se cansa de tirar fotos de mim?” Carol perguntou encarando a máquina de Therese.

               Therese apertou o botão da máquina e sorriu:

               “Nunca. Você fica bem em qualquer ângulo, qualquer luz.”

               Carol que estava de lado, se virou de frente, passando a mão pelo cabelo e falou:

               “Por que você não guarda essa máquina e vem aqui me dar um beijo?”

               Therese atendeu o pedido colocando seu corpo em cima do de Carol e ficaram ali trocando beijos até se cansarem, não se importando com mais nada. Quando pausaram um pouco, Carol passou a mão pelas costas de Therese dizendo:

               “Quero te levar para um lugar e te mostrar uma coisa.”

               “O quê?”, Therese falou brincando com os botões da blusa que Carol usava.

               “Surpresa. Quer vir?”

               Therese beijou o pescoço da loira.

               “E parar de te beijar?”

               Carol riu.

               “A gente beija mais depois.”

               Elas saíram do quarto momentos após e Carol dirigiu até o bairro de Little Tuscany. Therese apreciou a vista e foi tirando fotos ao longo do caminho. Era um dia ensolarado e quente e as duas estavam usando calças leves com mocassim. Carol estava um pouco nervosa, suando nas mãos. Ela parou o carro em frente a um portão branco, que tinha várias folhagens verdes ao redor. Não dava pra ver a casa dali, mas se via que o lugar era muito bem arborizado com as famosas palmas de Palms Springs.

               “Quem mora aqui? Algum conhecido seu? Ator?”

               Carol apenas sorriu e saiu do carro para poder abrir o portão com uma chave que estava no seu bolso. Depois de aberto ela voltou para o carro e entrou com ele por uma curva em subida até chegar a uma casa enorme com várias janelas no estilo espanhol.

               “Dean me mostrou essa casa. Está vazia há algum tempo. Achei que você gostaria de ver, tem uma vista linda, acho que você vai gostar de tirar fotos.”

               Elas saíram do carro e Therese ficou entusiasmada.

               “Oh, Carol, é linda.”

               A casa estava vazia, sem móveis, mesmo assim, Therese adorou o lugar todo. Na parte de trás havia uma piscina enorme, lugar para guardar pelo menos uns 5 carros. Carol foi passando de cômodo a cômodo e vendo a reação de Therese. Um dos quartos era o maior, tinha uma suíte e uma vista incrível para as montanhas. Na cozinha, a vista também era de tirar o fôlego. De lá também dava para ver o quintal e parte da piscina.

               “Carol, essa casa é perfeita”, Therese disse apontando a máquina para a vista.

               Carol limpou a garganta e disse atrás dela.

               “Você gostaria de morar aqui?”

               Therese se virou e olhou para loira.

               “Bom, seria um sonho. Tem até um quarto ali que eu faria de quarto escuro para revelar as minhas fotografias.”

               “Você não sentiria falta da cidade? Aqui é tudo muito tranquilo.”

               Therese olhou para o chão e disse tímida:

               “Eu cresci no orfanato, com muitas pessoas ao meu redor. Em Nova York era agitado também, com os meninos. Talvez o único lugar que eu me sinta a vontade de verdade é com você, na sua casa.”

               Carol pegou a mão de Therese e aconchegou o corpo dela ao seu.

               “E seu eu disser... que essa casa é nossa?”

               Therese se virou com os olhos arregalados.

               “Nossa? Você comprou?”

               “Está quase tudo acertado, só falta a assinatura mesmo. Eu precisava te trazer aqui pra saber se você iria gostar. A gente pode ir à imobiliária hoje mesmo e acertar tudo, se você quiser”, Carol disse passando as mãos pelas costas de Therese.

               Os olhos de Therese se encheram de lágrimas e seu queixo tremeu.

               “Carol... eu nem sei o que falar”, ela disse com a voz embargada.

               “Só diga que sim.”

               Carol a abraçou com força e Therese balançou a cabeça fazendo que sim, enquanto soluçava em pranto.

               “Meu Anjo.”